Ouça este conteúdo
Quanto a Bob Jeff, nada a declarar. Afinal, isso me levaria a expressar a minha real opinião sobre o caso, a falar sobre como está todo o mundo errado. Como uma das partes erradas sai botando todo o mundo na cadeia, melhor não. Resta então falar do de sempre: da reação política.
Como eu não tenho TV em casa, resta acompanhar as coisas por uma combinação bastante heterodoxa: a internet e a rua. Mal vi no Twitter a notícia de que Roberto Jefferson estaria dando tiros em agentes da PF e ia levar a amigos no Telegram. Lá, porém, os vídeos do próprio Roberto Jefferson já estavam bombando. Qualquer um podia ver o seu discurso suicida, com uma voz de mulher ao fundo que mandava pegarem um calmante pra ele.
Vendo isso, pensei que aquilo podia dar em tudo, inclusive nada. Todo o mundo já sabia das intenções suicidas de Roberto Jefferson; assim, seria difícil efetivá-las. Se ele tivesse ficado quieto e atirasse nos policiais de modo a forçar uma reação, teria mais chances de conseguir uma bala letal e ser alçado à condição de mártir de Xandão. A direita teria canequinhas e broches com a inscrição “Roberto Jefferson Vive”. Seria uma imitação do comércio necrófilo de Marielle, mas essa mesma turma diria que é uma imitação da falange espanhola (“Primo de Rivera Presente”) depois de algum historiador esquerdista denunciar. Tuiteiros de esquerda e direita pesquisariam Primo de Rivera. Depois de descobrir, os tuiteiros diriam que adoram a Falange desde criancinha, e fariam do ex-mensaleiro um mártir do conservadorismo.
Mas Roberto Jefferson anunciou, então não, esse plano de martírio tinha exíguas chances de dar certo. Daí pensei logo que podia dar em tudo, inclusive nada. Ao cabo, apareceu um tuíte com Bolsonaro anunciando que o bandido Roberto Jefferson estava preso. Tuiteiros que um minuto estavam tratando Bob como mártir heroico da resistência à ditadura xandoniana agora postavam fotos suas com Lula.
Conspiração?
Os antibolsonaristas entraram em êxtase com o episódio, coisa que eu tenho uma certa dificuldade de entender. Roberto Jefferson é apoiador de Bolsonaro? Mas ele tinha lançado uma candidatura própria. Não me recordo de nenhuma fala bombástica a favor de Bolsonaro (nem de ninguém); só de falas contrárias a ministros do STF. O raciocínio tortuoso é assim: a polarização se dá entre Bolsonaro e STF, x pragueja contra o STF, x é bolsonarista. Logo, Bolsonaro está associado a um doido que atirou em policiais. Logo, Bolsonaro apoia bandidos.
É um raciocínio ao mesmo tempo longo e primário; dá uma volta para atribuir culpa por associação. É um raciocínio tão longo, que acho muito mais fácil ser aquilo que Popper chamava de hipótese ad hoc: você tem um cenário diante dos olhos, tem uma teoria dentro da sua cabeça que você quer porque quer que seja verdade, daí usa o cenário para inventar o jeito de ela ser verdadeira. Qual é a ideia fixa que esse povo tem na cabeça? Que Bolsonaro não merece voto nem no segundo turno. Mas está pegando mal caramba defender censura assim, abertamente. Então eis que aparece um doido atirando em policiais enviados pelo censor mor e eles levam as mãos ao céu. Agora, sim! Podemos dizer que é a censura ou o doido armado. Ufa!
É uma volta tão grande, que acho improvável a teoria rival, a saber: Jefferson, o mensaleiro, seria um infiltrado, que resolveu fazer cena agora justamente para prejudicar Bolsonaro. Acho que conspiradores teriam um plano melhor do que esse. E acho que a situação de Jefferson era das mais previsíveis. Alexandre de Moraes persegue todos os que falem mal de ministros do STF, tendo especial preferência por reincidentes. Roberto Jefferson desde os tempos do Mensalão é sabidamente histriônico e não parece bater muito bem da bola. Agora somem isso a um câncer persistente e idade avançada. Parece factível que ele tenha cansado dessa vida de entrar e sair da cadeia, e de fato receber a bala a Polícia Federal. Coisa, aliás, que Ciro Gomes jurava que faria, mas o pessoal da terceira via acha muito bonito fazer de conta que não viu.
Aprendizado para a vida
Seja como for, o episódio serviu para reforçar um aprendizado que tive desde a ascensão do bolsonarismo: respeitar as pessoas em função de sua postura em vez da sua opinião política. De lá para cá, todo o mundo, ao menos na classe média politizada, deve ter perdido amizades e presenciado confusão na família. Eu notei que consigo manter amizade com petista, mas não com certos antipetistas. A razão simples, simplíssima, é que o petista que continuou amigo não olha pra mim em cima de um salto alto. Acha incompreensível que uma pessoa como eu vote em Bolsonaro; tem certeza de que o PT, por mais que cheio de problemas, é a única força favorável à justiça social no Brasil. Não importa que eu liste as coisas contrárias à justiça social que o PT fez; ele tem certeza de que a oposição fez ou faria muito pior. É dogma, paciência. Mas não há arrogância e dedinho na cara, então dá pra levar. Já entre os liberais, um monte anda com um rei na barriga.
Assim, eu hoje tenho antipatia instantânea por quem se sente uma pessoa superior em função de suas opiniões ou votos. Só posso mudar de ideia se essa pessoa tiver pago um preço por tal opinião e a opinião for boa. (E é melhor fazer essas apreciações em retrospecto. Exemplo: fulano nadou contra a maré e se opôs à medida que obrigava os jovens a correrem o risco de ter miocardite e tromboembolismo pulmonar.) Essa gente que tem um rei na barriga por causa da própria opinião é a que estava em polvorosa com Jefferson. Tinha o liberal se orgulhando de dizer que ordem de policial se cumpre – quando até ontem se faziam diatribes contra o nazismo, no qual se fazia de tudo para cumprir ordens. Vi professores liberais antipetistas abrindo suas caudas de pavão: um dizia que o bolsonarismo era violento; outro, que agora era capaz de votar em Lula porque “o outro lado” é assim.
Tenho duas explicações para o fenômeno. Uma é de ordem moral e já me aprofundei aqui. Outra, superficial, é um delírio análogo ao do MBL. Vejam bem, o MBL acredita que o único obstáculo entre eles e a presidência é Bolsonaro. Por isso é que se empenham em derrubá-lo. De modo análogo, um monte de intelectual antipetista acha que só não alcançou os píncaros da glória porque a concorrência o fez antes. Aí resta ser oposição.
Janones
Voltemos à vaca fria. Me informo pela internet e pela rua. Na rua, a novidade aqui é um segundo turno apertado na eleição estadual. Esta é a segunda vez na história da Nova República que há segundo turno na Bahia, e a primeiríssima em que o resultado é um mistério. Na outra vez em que teve segundo turno, em 94, foi quando o herdeiro de ACM precisou de um tiquinho só para vencer em primeiro, aí levou no segundo com quase 60% dos votos. (O segundo foi o ex-governador João Durval e ex-correligionário de ACM da época da ditadura.) Agora o herdeiro do petismo deixou de ir para o segundo turno por um tiquinho, mas, se somarmos ACM Neto ao candidato de Bolsonaro, dá 50% e um tiquinho. (Grosso modo, a conta do primeiro turno foi: 50% do petista, 40% de ACM Neto, 10% do bolsonarista.)
Como venho insistindo aqui, a Bahia é um estado governista. Essa votação altíssima de Lula e Jerônimo no primeiro turno só se explica com a crença bastante difundida há um mês atrás de que Lula ganharia no primeiro turno. Ora, se Bolsonaro tem chances de ganhar, os coronéis e outras lideranças locais têm, por um lado, o temor de continuar na oposição ao governo federal, e, por outro, a expectativa de se juntar ao vitorioso na condição de aliado essencial à vitória.
Tenho ouvido o povo bater boca na rua por causa de política nacional, o que não é nem um pouco comum aqui, exceto no bar. Aqui no interior, quando se discute política, normalmente não falam sequer de governador. O assunto é a prefeitura e os vereadores, e se centra em questões como falta d’água, coleta de lixo, obras e administração da Santa Casa. Nada de ideologia, nada de governo do estado, muito pouco de Lula e Bolsonaro. E ninguém fazia isso no cabaré. Mas no cabaré agora esbravejam sobre a transposição do Rio São Francisco, que fica longe à beça daqui e provavelmente a maioria (como eu) nunca viu na vida.
Pela primeira vez, vi panfletagem na feira. Eis abaixo um folheto distribuído. Não vi panfletagem de Jerônimo; apenas passam carros de som tocando jingle e insistindo no 13. Há muitos adesivos de estrela com 13.
Em reação a alguma discussão que eu não ouvi (ou talvez ao meu vizinho, um velho que fica na calçada gritando “é 22 44” para os passantes), um homem na rua esbravejava que não ia votar em ACM Neto, porque ACM Neto é Bolsonaro, e Bolsonaro é um ladrão que vai diminuir os salários, as aposentadorias e os auxílios. No mesmo dia, pego o celular e olho os stories no WhatsApp. Vejo que o radialista de um município próximo com menos de 30.000 habitantes está divulgando desmentido de Paulo Guedes, que garante que vai no mínimo corrigir a inflação no salário mínimo, aposentadoria etc. Ele tinha saído candidato pela base de Neto.
É a hora então de ir à internet e descobrir que Janones tinha inventado essa mentira. Daí inferi que a campanha petista baiana também está fazendo campanha pelo WhatsApp e usando as mentiras de Janones para queimar tanto Bolsonaro quanto ACM Neto. Este, a seu turno, põe seus aliados para trabalhar nos desmentidos. É impossível que Bolsonaro não cresça na Bahia. Registro meu chute Lula 60 x 40 Bolsonaro.
Mas já que voltamos à vaca fria, é preciso contar que até Janones precisou dar tratos à bola para colar Jefferson em Bolsonaro. Segundo explica à militância, é preciso dizer que "um dos coordenadores informais" de Bolsonaro tentou matar dois policiais, em vez de dizer que Roberto Jefferson atacou o STF. O povo não está nem aí para Roberto Jefferson e, segundo explica Janones, o STF não é lá muito amado pela população.
Podem ver: os que acreditam que Bolsonaro perdeu a eleição agora são os mesmos que acreditavam em Lula eleito no primeiro turno. Não entenderam nada e, fazendo campanha, não vão para lugar nenhum.