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Manifestações contra e a favor a prisão de Lula em Curitiba. 7/4/18.
Manifestações contra e a favor a prisão de Lula em Curitiba. 7/4/18.| Foto: Daniel Caron/ Arquivo/ Gazeta do Povo

É uma imensa perda de tempo discutir o crime cometido em Foz do Iguaçu. O ano de 2022 tem assuntos cruciais a serem debatidos, entre os quais, no meu entendimento, os mais importantes são, nesta ordem, a limitação do ativismo judicial e a autossuficiência em fertilizantes. Afinal, bastará uma canetada de um ministro do Supremo, uma recomendação de um procurador, e todo o trabalho do Legislativo para regulamentar a mineração em área indígena pode ir por água abaixo. No atual estado de coisas, o Brasil pode muito bem deixar de conseguir importar fertilizantes o suficiente e os ativistas judiciais, encastelados no Estado, garantirem que passemos fome.

A violência política é, sim, um assunto importante. No entanto, desde a tentativa de assassinato perpetrada por Maninho do PT, é difícil chocar-se. Lembremos: no circo que foi a prisão de Lula, com Gleisi Hoffmann dizendo que haveria sangue caso o mandado se concretizasse, uma turba de palhaços de filme de terror se reuniu em frente à sede do Instituto Lula para ficar fazendo arruaça. Um transeunte, o empresário Carlos Alberto Bettoni, teve uma altercação com a turba. Maninho do PT, então, empurrou-o à frente do caminhão. Ele teve um traumatismo craniano e jamais recobrou a saúde de antes. O crime ocorreu em abril de 2018 e foi muito bem fotografado: a imagem do homem caído sozinho, com um longo filete de sangue escorrido pelo asfalto, daria para fazer muitas campanhas catárticas de rechaço à violência ou ao petismo.

Não assistimos a nenhuma histeria coletiva sobre como todos os petistas são bestas assassinas. A imagem sangrenta não foi explorada pelas carpideiras da democracia. Não vimos sequer o mea-culpa dos petistas. Se a imprensa e a academia não estivessem tomadas por canalhas enlouquecidos (ou por loucos acanalhados), o PT seria chamado às falas. Não era um bêbado aleatório numa situação aleatório. Era um membro filiado, um ex-vereador eleito pelo partido, cometendo um crime de sangue às claras numa manifestação lulista. O mínimo que se esperaria de um partido decente é a expulsão do membro.

Mas em setembro um esquerdista doido enfiou uma faca na barriga de Bolsonaro e girou-a, para matá-lo. Tinha um álibi pronto em Brasília, mesmo estando em Juiz de Fora. E as carpideiras da democracia, cínicas, não deram um pio contra a esquerda. Desde então essa tentativa de assassinato – bem como a reação a ela – é o elefante na sala de jantar das carpideiras.

Amnésia coletiva e repeteco

Meses após a prisão de Lula, começou o festival de suásticas no noticiário. Qualquer suástica em banheiro de universidade federal ia para o noticiário nacional. Uma feminista, potencial vítima de gordofobia, exibiu a barriga nas redes sociais: uma suástica fininha fora feita cuidadosamente com um objeto cortante por bolsonaristas que a agarraram no meio da rua. Quem quisesse, que acreditasse. Em Nova Friburgo, a polícia conseguiu pegar o grupo que pichava suásticas numa igreja: eram os mesmos que pichavam “Ele não” noutras partes da cidade.

Para alcançar maior dramaticidade, porém, era necessário um cadáver; de preferência, fresco. Em pleno outubro, apareceu. Transformaram num evento da maior magnitude uma briga de bêbados em que um mestre de capoeira do movimento negro terminou morto por um popular. De nada adiantou o assassino dizer em coletiva de imprensa que o Mestre Moa o havia chamado de “viadinho negro” e por isso ele pegou a faca. A morte de Mestre Moa era a prova de que o bolsonarismo mata.

Agora a história se repete. Uma briga privada entre homens de convicções políticas distintas, na qual um esquerdista sai morto, é apresentada como prova cabal de que o bolsonarismo mata. A ilibada Revista Fórum, petista, deu o furo este domingo – e, outra vez, acredita quem quer. Curiosamente, tal “furo” dado domingo, dia 10, se deu após outro furo, o do Metrópoles, dado no sábado, dia 9. O jornal de Brasília divulgara uma fala de Lula, em comício, fazendo uma apologia de Maninho do PT, que passara 7 meses na cadeia por “defendê-lo”. Uma grande coincidência!

Ainda por cima, aprendemos que o quase assassino fora solto em prazo tão curto por uma decisão do STJ. Ao que parece, há não só apologia, como regalias para carniceiros do PT.

“Fulano está se radicalizando”

A desfaçatez dos experts é de cair o queixo. Como já mostrei algumas vezes, existe um líder de seita chamado Luciano Ayan (ex-guru do MBL) que conta com plena anuência do establishment – leia-se, do STF – para fazer coisas que botariam um Daniel Silveira direto na cadeia. Até espalhar fake news contra Marielle recém-morta ele pôde. Não só pôde, como ainda foi convidado por uma autodeclarada “especialista em Cidadania Digital” respeitada pela imprensa para discutir fake news junto com o senador do meu estado Ângelo Coronel, que presidia a CPMI das Fake News..

Outra pupila de Ayan, Michele Prado, não tem nenhuma formação acadêmica, mas é aceita pela academia como especialista em extrema-direita. Tudo o que ela faz é ficar em rede social dizendo que fulano está se radicalizando, apresentando tuítes e declarações como prova disso. Quanto à qualidade de sua obra, Francisco Razzo já leu e fez um fio quilométrico no Twitter. Eu resumo: todo o mundo que tem a menor afinidade com algum autor ou ideia de direita é um radical de extrema direita, menos ela. As críticas de Razzo foram qualificadas como ataque misógino e assédio promovido por um extremista de direita.

Vejamos agorinha mesmo como a especialista em cidadania digital reagiu ao suposto furo da revista petista. Primeiro ela retuíta o ambientalista da GloboNews culpando “os presidenciáveis” (plural) por “ações violentas dos seus correligionários”. Depois, uma desconhecida que faz o mesmo, equivalendo Lula a Bolsonaro. Em seguida, publica uma foto dela própria com Barbara Gancia, dizendo o quanto a admira. Barbara Gancia recentemente se notabilizou por rezar pela morte de Bolsonaro enquanto ele sofria com complicações decorrentes do atentado. Um amor, um exemplo de ser humano a ser abraçado por alguém que passa o dia denunciando "extremismo". Por fim, ela elogia um tuíte de Michele Prado que fala da radicalização como um problema da direita denunciado por ela em seu livro.

Isso é deboche com a nossa cara.

Estratégia das tesouras e globalismo

Ao meu ver, a pessoa que melhor explica o cenário intelectual atual é Mathieu Bock-Côté. Em O multiculturalismo como religião política, ele diz que maio de 68 foi uma revolução cultural da elite contra o povo, que, no esgarçado vocabulário atual, é conservador. A elite decidiu que o povo não é mais a fonte de legitimidade da democracia, mas sim uma noção muito peculiar de “direitos humanos”. Esta noção é muito rígida e não está sujeita a discussão. Assim, cabe ao judiciário decidir o que é certo e errado. Se o povo discordar, tem que ser reeducado; se não quiser se reeducado, tem que ser punido. Como o Estado foi todo engolido pela burocracia, a eleição de “populistas” se torna inócua, já que a máquina impede o governo conforme aos anseios populares.

Tanto ele quanto Dugin e John Gray colocam Fukuyama como o escritor canônico desse novo utopismo. Seja como for, a estratégia das tesouras consiste em transformar a nova esquerda como lugar comum, rotular como “extrema direita” os egressos da velha esquerda, e aceitar uma direita “moderna” que se restrinja à defesa do mercado, sem tocar na História e nos valores. Com isso, planta-se uma falsa ideia de diversidade política. Um deputado francês chegara a dizer que “precisa haver pró-europeus e antieuropeus em cada campo. Se puséssemos os inteligentes juntos, um dia, com a alternância, os imbecis chegariam ao poder”. Tem-se aí a ideia de direita xucra por oposição à limpinha.

Com isso, a imprensa militante, junto com os progressistas, se empenham ao máximo para limitar a discussão pública, condenando a “polarização”. Nesse esquema, “a democracia contemporânea deve acolher o mínimo possível quaisquer debates sobre as questões que animam as paixões populares e políticas. […] sob vários aspectos, a comunicação política serve até para exacerbar as tensões midiáticas em torno dessas diferenças menores” (p. 252). Noutras palavras, o país discute ad nauseam pronome neutro em vez de encarar problemas urgentes como a legislação pró-bandido, por exemplo. Mas qualquer queixa contra a bandidolatria logo é tachada como “barbárie” etc.

“Se o populismo ganha penetração nas sociedades ocidentais, é também porque corresponde a um desejo de polarização política num sistema político a tal ponto consensual que acaba por sufocar a vitalidade democrática. Se o conflito numa comunidade política não é instituído entre duas facções na elite e entre correntes políticas que se reconhecem como legítimas, ele necessariamente tomará forma, por assim dizer, entre as elites e o povo” (p. 254).

Estamos polarizados, devemos continuar polarizados até que essa palhaçada acabe. Por isso mesmo, essa pauta que os petistas pariram deve interessar só a eles e aos limpinhos. Quanto ao resto do povo, que falemos de fertilizante, de aborto, de direitos dos manos, de ativismo judicial. E o que mais der na telha.

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