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Bruna Frascolla

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Transfutebol

Quinn é mulher. Não importa o que diga a locutora “esclarecida”

A julgar como as entidades esportivas tratam o esporte feminino, logo voltaremos à Antiguidade, quando mulher era considerada uma forma imperfeita do homem.
A julgar como as entidades esportivas tratam o esporte feminino, logo voltaremos à Antiguidade, quando mulher era considerada uma forma imperfeita do homem. (Foto: Reprodução/ Twitter)

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De uma hora para a outra, vêm as normas. Elas passam por verdades reveladas, com a diferença de que a Revelação antes vinha de Deus por meio de um anjo ou um profeta e agora vem sabe-se lá de onde, por meio da subcelebridade, do jornalista empático e… da locutora de futebol feminino. Que fala que Rose vai entrar no lugar de “Quinn, que é pessoa trans não-binária, por isso a gente fala com pronome neutro. Então, saindo Quinn, para a entrada da Rose”.

“Êlo está saindo”, anui o colega de locução. Pronto: o tiozão que deixou a TV ligada no futebol feminino enquanto fazia outra coisa é comunicado, numa mera troca de jogadores, que existe algo chamado “pessoa trans não-binária” e que tais pessoas devem ser tratadas com um pronome inexistente. Todo mundo, em qualquer classe social, sabe o que é um gay e o que é uma lésbica . Sabe que alguns homens efeminados andam vestidos de mulher e que algumas mulheres machas andam vestidas de homem. O refrão “Paraíba masculina/ Muié macho, sim sinhô” está em música de Luiz Gonzaga composta em 1946. Mas a ideia de que exista gente adulta diferente de homens e mulheres, com direito a um pronome especial, é surreal.

Categoria feminina, masculina e…?

Quem assiste à TV já deve estar inteirado do absurdo de atletas homens medíocres mudarem de “gênero” e serem alçados à elite do esporte feminino. A justificativa para se falar em gênero em vez de sexo é justamente o fato de que gênero seria construção social, ao passo que o sexo seria um dado biológico. Assim sendo, é espantoso que as instituições esportivas criem categorias de “construções sociais” em vez de levarem em conta a biologia. Se o corpo importa mais do que a construção social, por que proibir doping? Uma atleta que tome testosterona pode fazer isso sem deixar de se identificar como pertencente ao gênero mulher.

Aliás, se for assim, não há sequer motivo para se criar paraolimpíadas. Um homem de cadeira de rodas continua um homem, embora seja um homem muito mais debilitado do que um atleta em pleno vigor físico. Da mesma maneira, uma lutadora é muito mais fraca do que qualquer lutador que nasceu e cresceu macho. Será que a única solução para as atletas é considerar a biologia feminina uma falha do corpo? Se as entidades esportivas aceitam esse tipo de justificativa para manter a categoria paraolímpica, vai que… E assim chegaremos à Antiguidade, quando a mulher era considerada uma forma imperfeita do homem.

Quinn é uma fêmea

Deveria ser digno de nota ainda não termos visto nas competições masculinas nenhum atleta de “gênero” masculino que nasceu menina. Por algum motivo nada misterioso, as fêmeas da espécie não se dão bem em times de elite compostos em sua maioria por machos. Quem nega a biologia deveria fazer uma tese para explicar isso.

Quinn é uma fêmea da espécie. Na Wikipédia anglófona, aprendemos que ela nasceu em 1995, no Canadá, com o nome de Rebecca Catherine Quinn. Em 2020, se revelou pessoa de gênero não-binária (ou seja: nem homem, nem mulher) e, desde então, não é Rebecca Catherine, mas só Quinn. Além de ser uma pessoa sem nome, ela reivindica o pronome they (eles) em vez de she (ela) para se referir à sua pessoa.

(Em vez de inventar um pronome, nos países de língua inglesa eles dão pulos para dizer que é perfeitamente natural usar “they” no singular para se referir a um indivíduo. No Brasil, já li “elu” e, como ensina a escola, oxítona terminada em u não se acentua. A locutora falou “elo”, portanto. Eu acho que ela quis dizer “elu” e que quem inventou esse pronome não conhece a regra de acentuação de oxítonas).

Se o esporte divide as categorias por gênero, Quinn deveria estar fora das competições enquanto não inventassem a categoria não-binária. Municiada de referências noticiosas, a Wikipédia nos informa: “They were permitted to continue playing professional women's football on the basis of their sex (rather than gender identity). They have expressed disappointment with media using their birth name when they came out.” Citei em inglês só para o leitor ver a linguagem neutra em uso. “They”, conjugado no plural, é só Quinn. Traduzindo para o português claro: “permitiu-se que ela continuasse jogando no futebol feminino com base no seu sexo (em vez de identidade de gênero). Ela expressou desapontamento com a imprensa usando seu nome de nascença quando saiu do armário”.

Às vezes vale o sexo, às vezes vale o gênero. A única consistência é favorecer o atleta autodeclarado trans, já que machos do “gênero” feminino podem competir com fêmeas e fêmeas que não são do “gênero” feminino podem competir com fêmeas que são. Enquanto isso, nenhuma louca decide que é do “gênero” masculino.

Construção social não é decreto centralizado

Biologia à parte, há um erro crasso na ideia de que “construção social” implica arbitrariedade. Defensores da linguagem neutra dizem que a língua muda e é construção social. É verdade que a língua muda e é construção social. Mas a própria ideia de construção social é contrária a decretos absolutos.

Imagine se o Planalto decidisse que a língua oficial do Brasil é latim e não português. As pessoas começariam a falar latim? E o português, surgiu como? Um rei de Portugal estava pensando em criar um Estado nacional, se reuniu com uma comissão de gramáticos, disse em latim “Novam linguam quandam agamus” (façamos uma língua nova) e inventou o português? Depois saiu distribuindo gramáticas e dicionários recém criados para camponeses deixarem de falar latim e aprenderem a nova língua?

A criação da língua é espontânea e descentralizada. Gramáticas servem para organizar a mudança enquanto ela acontece, não para a planejarem. Elas têm o papel conservador de manter o português inteligível para a maior quantidade possível de lusófonos que viveram, vivem e viverão. Se a gramática não se empenhasse em registrar e ensinar normas usadas desde antes de o aluno nascer, um jovem seria incapaz de entender “bendita sois vós entre as mulheres”, porque “vós sois” não é parte do vocabulário espontâneo de um adolescente brasileiro.

Gramáticas capturam o português mais estável a fim de conectar o passado com o futuro. A língua portuguesa é uma construção social da qual participamos eu, você, a feminista de cabelo rosa, o escravo do Brasil império, o canibal recém-batizado, o jesuíta, Camões e o Rei Afonso II, que redigiu em 1214 o seu testamento em português. Há uns mil anos os lusófonos vêm se revezando, geração após geração, colocando tijolinhos nessa imensa construção social que é o português.

Só com uma ignorância cavalar e a arrogância mais detestável alguém pode puxar o chicote e nos mandar alterar algo tão elementar quanto desinências de gênero.

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