As manifestações de Primeiro de Maio de 2021, também chamadas de “aglomerações”, acarretaram uma novidade na imprensa: os voos de helicóptero com a finalidade de julgar o tamanho da coisa. Este é um feito e tanto para o bolsonarismo.
O lugar escolhido para isso foi Brasília. O Jornal Nacional exibiu imagens aéreas do gramado da Esplanada.
Das quatro capitais mais populosas do Brasil, duas são litorâneas (Rio de Janeiro e Salvador) e duas são interiores (São Paulo e Brasília). As litorâneas têm em comum o fato de esquerda e direita terem locais diferentes de manifestação: a esquerda carioca e a soteropolitana vão à Cinelândia e ao Campo Grande; a direita carioca e a soteropolitana vão a Copacabana e ao Farol da Barra. A vantagem destas capitais litorâneas é as manifestações poderem ocorrer sem que a polícia precise se preocupar com briga de torcida. Não que isso a dispense de trabalhar; afinal, os black blocs costumam sair quebrando os equipamentos públicos do belíssimo Centro imperial recém-revitalizado. Nas imediações da Cinelândia há prédios invadidos pelo MTST (há pelo menos um ali na Rua Alcindo Guanabara, entrando na esquina do Amarelinho), e um observador atento, frequentador do local, relata que o prédio serve de guarida para os autores do quebra-quebra. Já no Campo Grande, onde há uma bela praça com um importante monumento neoclássico, não costuma haver depredações, embora a UFBA fique por perto e possa servir de guarida para eventuais vândalos.
As capitais interiores têm em comum o fato de direita e esquerda se reunirem no mesmo lugar para protestar. Em Brasília, os cidadãos politizados vão para o gramado da Esplanada se manifestar contra ou a favor do governo. Em São Paulo, vão à Avenida Paulista, e, se houver manifestações contrárias ao mesmo tempo, a polícia tem que ficar lá tomando conta para não dar em pancadaria. A vantagem das capitais interiores é a possibilidade de capturar imagens aéreas do mesmo local para comparar as manifestações.
Peculiaridade de Brasília
Dalrymple, experiente viajante de países comunistas, reconhecera o estilo em Brasília. (Vocês hão de me perdoar a falta de referência, pois me lembro de ter lido em inglês na internet, mas não consigo encontrar de novo.) Aquele espaço fora bolado para se encher de esquadrões militares, nos moldes de Pionguiangue, e intimidar manifestações contrárias ao governo.
A meu ver, o tiro de Niemeyer saiu pela culatra, uma vez que nós não só não temos um imenso exército disciplinado para fazer grandes demonstrações públicas naquela área, como ainda se frustram as tentativas de tomada de assalto. Lembram-se das manifestações violentas ocorridas durante o governo Temer? Foi em 2017; Temer precisou decretar um GLO para autorizar o Exército a agir. Os fascistas vermelhos recrutaram suas hostes, levaram caminhões do Brasil inteiro e pretenderam fazer à base de mortadela uma versão tupiniquim da Marcha Sobre Roma. O Exército segurou as pontas; mas, se as praças de Brasília fossem como as das cidades normais, dariam um ótimo cenário para Ricardo Stuckert fazer fotografias poderosas. Estas seriam usadas em propaganda e serviriam de prova de que o povo estava tomando o poder.
Foi nessa época, no pós-impeachment, que circulavam fotos de uma avenida lotada com uma multidão vermelha – mas as fotos, atribuídas ao Brasil, haviam sido tiradas na Venezuela em comícios chavistas. Moral da história: a arquitetura de Brasília, feita para intimidar os opositores a um regime totalitário, terminaram por intimidar também golpes fascistas. Fica difícil dizer que “o povo” deu um golpe quando há um gramadão verde visível do alto.
Assim, ao vermos imagens aéreas, lembremos que é dificílimo lotar aquele gramadão. Para dizer que uma manifestação política foi grande ou pequena, seria necessário dispormos de um acervo de fotos aéreas de outras manifestações políticas.
Quantidade versus tamanho de manifestações
Além do tamanho de manifestações particulares, há outra coisa importante para dimensionar movimentos políticos: a quantidade de manifestações concomitantes. Afinal, quem dispõe de uma centralizadora máquina fascista pode lotar ônibus e fazer manifestações colossais em alguns poucos locais. Mas não pode fazer em vários, a menos que disponha de excelente logística para transportar militantes. Nesse caso, teria de fazer um revezamento — o que impossibilita manifestações concomitantes em capitais e cidadezinhas.
Combinemos que há uma diferença muito grande entre o cidadão que, de livre e espontânea vontade, vai à rua manifestar seu desejo político, e outro que está lá sob a promessa de receber algo material em troca. Para além do famoso sanduíche de mortadela, há um cabresto bem feio imposto pelo MTST (de Boulos) e similares, que condiciona a obtenção de casa à presença em manifestações. O sistema de planilhas é conhecido há anos: há uma chamada em manifestações; quanto mais presença, mais pontos; quanto mais pontos, maiores chances de receber uma casa do Minha Casa Minha Vida. A prefeitura de Haddad fez convênio com o MTST de Boulos, legitimando essa infâmia.
É falsa a noção de que cabresto é uma particularidade do interior do Nordeste. Onde há pobre querendo receber algo por meio de um figurão importante, há cabresto. O oceano de favelas faz do ambiente urbano um excelente local para o cabresto.
Modelos de manifestações
Uso “esquerda” e “direita” sem qualquer pretensão de rigor teórico. Designo como esquerdistas os grupos que se manifestavam contra o impeachment e contra Bolsonaro, e como direita os grupos que se manifestavam a favor.
Uma típica manifestação de direita é organizada por meio de redes sociais. Um típico cartaz virtual traz uma só data e um só horário em letras verdes com fundo amarelo. Na parte de baixo, vêm os pontos de concentração de cidades grandes, sejam capitais ou não. A gente de cidadezinha costuma divulgar suas manifestações numa mensagem acrescida ao cartaz, seja na forma de legenda ou de descrição. (Fato é que dispensa a necessidade de mexer num editor de imagens.) Quer você participe ou não, estará informado de antemão, porque os cartazes inundam as redes sociais.
Já as manifestações de esquerda parecem brotar por geração espontânea, caso você não seja de universidade nem sindicato. Você sai de casa e lá está a parada de camisas vermelhas uniformizadas, com uma ou outra feminista de universidade. Você pega um engarrafamento e pragueja.
O caso de São Paulo é bom para analisarmos o caráter central ou descentralizado das manifestações de esquerda; afinal, a capital conta com o ABC para abastecer a Avenida Paulista de militantes. No site da CUT paulista, vemos que o ato na capital estava marcado para as 16h, enquanto que os do ABC estavam marcados para 14h (Santo André), 10h (São Bernardo) e 10h (Diadema, já que não há São Caetano na lista). Da extensa lista de cidades paulistas, só Ubatuba e Itanhaém coincidem com o horário de São Paulo. Ou seja: dá para alocar militantes do interior na capital e rodá-los como peões num tabuleiro. O resultado é a ilusão de que um número maior de gente se manifestou.
Por fim, não custa nada mencionar o dinheiro, já que é necessário ter fundos para comprar e gerir militantes. A China deu uma porção de dólares para os nossos sindicatos este ano.
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