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Nem bem dizia eu, ontem, que Macron é um sujeito com cara de bonzinho, capaz de dar amor e carinho a uma girafa chamuscada da Amazônia, quando começam a pipocar imagens de forças estatais descendo a lenha em manifestantes pacíficos na França. No mesmo dia, outro sujeito com cara de amante de girafas da Amazônia dá uma canetada que acaba com as liberdades civis dos canadenses.
Ainda bem que eu estava mesmo querendo escrever sobre a propaganda antivirilidade, porque temos enfim um bom gancho. Porque eu ficaria com vergonha de, sem um gancho, contar que li uma matéria do Uol (sempre ele) sobre “curso de vulnerabilidade masculina que ensina a ser menos macho”. Sim. Não só decidiram que ser viril é ser tóxico (já que tanto falam em “masculinidade tóxica”), como que é bom ser vulnerável. E o pior de tudo: há homens que pagam por isso. Eu me pergunto que alunado será esse, se é um bando de cara que brigou com a namorada feminista e foi arrastado para lá. Na certa, não é um bando de caminhoneiro, nem deve ter ninguém lá correndo o risco de ser confundido com o Rambo.
Parte do alunado, porém, parece focada numa terapia de conversão de sexualidade, só que ao contrário. “No meio dos exercícios,” conta o repórter, “há choros, gritos e até náuseas.” Mais adiante, escreve: “Em outro exercício, pelado e em pé, troco uma massagem suave com um garoto vindo do Recife — no meio da prática, fora as pontas dos dedos, sinto o toque de outra extremidade corporal dele que avançou até minha perna.” Não é de admirar que haja náuseas. Se houvesse um terapeuta evangélico botando gays para serem tocados por taradas peladas, alguma entidade iria aparecer para cassar alguma licença. Se fossem mulheres passando por essa situação, era caso de polícia. Sim, o repórter era hétero: “A maioria das atividades se faz de olhos fechados. Quando preciso da observação jornalística para o relato, porém, os entreabro e vejo os outros pares com corpos e lábios colados. Nosso professor logo adverte: ‘Gente, cada um foca e percebe o seu processo. Não se preocupem com a troca. Calma, isso é só o começo.’ Na sequência, é hora de ficar no centro e ter o corpo tocado suavemente por 16 mãos. Os contatos vão desde cafunés na nuca até sopros nos genitais — desafiando as fronteiras homoafetivas de um intruso vindo das hordas heterossexuais” (a feminista que mandar o namorado fazer esse curso vai se dar mal).
Pois é, senhoras e senhores. Lendo isso, o comentário de uma velhinha simples seria: “Esse mundo está de cabeça para baixo!” Um comentário simples e correto, pronto para agradar até mesmo os literalistas mais cretinos, já que a natureza esférica do planeta faz com que ele esteja mesmo de cabeça para baixo, a depender de onde decidamos que seja a cabeça.
Precedente norte-coreano
A coisa toda me lembra uma matéria que li, da BBC, sobre cinema norte-coreano. Os norte-coreanos levam o cinema muito a sério – até sequestram um bom diretor sul-coreano para trabalhar para o regime. Os totalitários transformam a arte em propaganda. Os nazistas tinham sua produção cinematográfica; os soviéticos, idem. Assim, nada mais justo que os Kim tivessem a sua.
Como a ditadura é longeva, dá para comparar filmes da época de Kim Jong-il à atual, de Kim Jong-un. E uma mudança pertinente indicada pelo especialista ouvido pela BBC (um certo Mark Morris) é que o cinema norte-coreano de hoje tem mulheres fortes e homens fracos. Cito a interessante matéria: “Heróis masculinos são mostrados em filmes mais antigos, especialmente os de artes marciais, mas há ‘muitos homens fracos’ nos filmes recentes, segundo Mark Morris. ‘Normalmente, as mulheres precisam ensinar os homens a serem bons seguidores’. Morris acredita que isso se encaixa na narrativa de propaganda de Pyongyang. ‘As figuras abrangentes na Coreia do Norte são homens da família Kim. Eles não querem adversários, então você não tem um herói masculino’, afirmou.” Explicação simples e bastante plausível para a Coreia do Norte: há um macho só.
Enquanto personagem, Kim aparece nos filmes também. Os norte-coreanos têm mil protocolos para representar ou exibir os seus líderes; os guias turísticos orientam como enquadrar as fotografias sem cortar os retratos gigantes dos Kim presentes nas ruas e prédios. Há até mesmo um protocolo para apontá-los: tem que ser com a palma da mão voltada para cima; nunca com o dedo indicador sozinho espichado, tal como fazemos com maior naturalidade.
Assim, é claro que o gorduchinho de cabelo esquisito não apareceria nunca nos filmes, em meio a meros mortais. Ele aparece então como uma espécie de divindade operando milagres ou sendo objeto de adoração: “ ‘Por exemplo, em um filme de guerra, alguém vai atender um telefonema de Kim Il-sung dando uma grande sugestão militar’, disse Morris. ‘Todos vão arrumar as próprias roupas quando o telefone tocar e o general vai pegar o telefone como se fosse um objeto vivo e brilhante.’ Simon Fowler descreve uma cena do longa Maratonista, no qual a protagonista é mostrada correndo em uma colina para tentar ver o comboio de Kim Jong-il. Ela não consegue ver o comboio, mas toca os rastros dos pneus. ‘Ela chora, emocionada, por ter tocado os rastros do pneu (do comboio)’, disse Fowler”.
Só há um macho no país. As mulheres todas o amam. Seus maridos são uns bobões prontos para obedecer às suas ordens.
De Tiburi aos amantes de girafas
O tópico do empoderamento feminino só até a página dois jé é figurinha carimbada no debate nacional. Por aqui, os identitários todos dão um rol de mandatários aceitáveis para o país: Lula, Boulos, Freixo e Ciro Gomes. Todos homens brancos heterossexuais. Só o PSTU foi coerente e substituiu o eterno candidato presidencial Zé Maria por Vera Lúcia, negra. O máximo que o PSOL fez foi botar uma índia como vice de Boulos, sem se dar ao trabalho de explicar por que Sônia Guajajara não seria cabeça de chapa do alto de sua vivência de mulher indígena, nordestina.
Márcia Tiburi declarou que Lula é o crush (sic) de toda mulher – e não houve feminista que a cancelasse. Vê-se portanto que o esquema norte-coreano tem espaço aqui pelos trópicos.
Se tem espaço aqui entre nós, esta terra atrasada cheia de machos latinos que fazem fiu-fiu suados enquanto batem uma laje, quanto mais na Europa e no Canadá.
O primeiro mundo, de fato, não é chegado em coronel. Então ficamos assim: homens de botas marchando e fazendo cara de mau são coisa datada, lá do século XX. Se um líder europeu ou um anglófono fizessem cara de mau, logo se pensaria nos ditadores do Eixo. Aí hoje o bonito é ficar babando líderes fofos que são superiores aos homens comuns e devem ser o crush de toda mulher. O totalitarismo do século XXI é o dos emasculados, incapazes de reagir.
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