Em sua conta no tuíte, o TSE prega para convertidos que acreditam que o mundo se divide entre bolsonaristas reacionários e tuiteiros progressistas.| Foto: Reprodução/ Twitter
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Enquanto as ruas das cidades grandes e médias se enchiam de cidadãos com a pauta muito específica do voto impresso auditável, seguindo a convocação do presidente Bolsonaro, o perfil do TSE no Twitter dizia o seguinte: “Você sabia que os votos já são impressos? [Emoji dentuço de óculos sorrindo]. Isso mesmo: qualquer eleitor pode fazer a contagem de votos por conta própria. Isso é possível com o BU, o famoso #BoletimDeUrna [Emoji de pergaminho] Faça sua própria auditoria! Compare os BUs que você escaneou c/ os publicados no site do @TSEjusbr!”

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Abaixo, vinha um vídeo. O cenário era o papel de parede do WhatsApp com o topo escrito “Grupo da Família”. Um balãozinho com uma cara de vovó desenhada dizia: “Eu não confio nessa urna eletrônica. Não dá pra auditar a votação!” Surge um engravatado que repete os raciocínios do texto do tuíte. No fim, ele pula em cima da mensagem da vovozinha, que é substituída por “Esta mensagem foi apagada”.

Há uma coisa gritante nesta mensagem: ela prega para convertidos e os manda para a guerra. É uma exortação à confrontação familiar. Quem quer que tenha sido o propagandista autor do vídeo, presume que as famílias brasileiras estejam divididas entre os velhos bolsonaristas do zap-zap e os jovens esquerdistas tuiteiros. Em vez do tom condescendente dos déspotas esclarecidos, que noutros tempos ensinaria o jovem tuiteiro a dar sermões à vovozinha simplória, desta vez há um rechaço puro e simples. E faz sentido. Afinal, as passeatas mostraram que uma parcela significativa da população não vai aceitar conversa mole, então resta tentar doutrinar os tuiteiros.

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Há outra coisa que chama a atenção nesse tuíte. Todo mundo minimamente informado sobre processo eleitoral, ou qualquer um que tenha ido a uma seção eleitoral pouco depois de encerrada a votação, sabe que urnas imprimem boletins. E todo mundo minimamente informado sobre a manifestação sabe que a impressão do somatório final dos votos não é a mesma coisa que a impressão do voto individual, exigida pelos manifestantes.

Ora, o que os manifestantes querem é que cada eleitor tenha a possibilidade de ver o comprovante do seu voto, uma vez que não confiam na contagem impressa pela urna. Uma vez que há relatos e até reportagens antigas (mostrados pelo presidente à população) de urnas adulteradas pela instalação de programas desconhecidos que interferem na contagem a ser impressas pelas urnas.

Se nenhuma pessoa minimamente informada do processo eleitoral e das demandas dos manifestantes engoliria o despautério que o TSE tenta emplacar pelo Twitter, aprendemos algo sobre o público-alvo do propagandista. É gente que não tem conhecimento de nada, mas quer ter uma opinião politicamente correta sobre todos os assuntos do momento. Gente assim está sempre a postos, esperando uma autoridade lhe dizer qual é a opinião da vez – de preferência uma opinião simples, que caiba num slogan. E é bem o tipo de gente que vimos ser adepta da “Ciência”, que a seu turno é a mesma coisa que a televisão.

É o seguinte: vivemos numa época em que uma parcela significativa das personalidades públicas trata a verdade como mera etiqueta. Existem apenas coisas que são de bom tom, não mais coisas verdadeiras. Intelectuais, professores, jornalistas – letrados de um modo geral – não perguntam mais se isso é verdade, mas sim se isso está conforme a uma etiqueta. Gente sadia pergunta: é verdade que só existem dois sexos? Gente de uma frivolidade doentia pergunta: será de bom tom dizer que só existem dois sexos?

E é para essa gente que o TSE fala. Gente que estava sentadinha, a postos, esperando descobrir qual era a “verdade” de bom tom. Agora vão repetir como papagaios, sem se interessar pelo que o outro diz. Farão isso se sentindo o máximo, pois serão portadores da mais nova verdade chique.

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Chique é de pouca gente

A armadilha, porém, é que por definição o que é chique é de pouca gente. Ter telefone já foi chique um dia. Essa gente frívola sabe – não só sabe, como gosta – que são poucos na população geral. Se fossem muitos, não tinha graça.

Como a população politicamente mobilizada por questões federais costuma ser minoria, teríamos um problema sério se os frívolos fossem maioria dentro dessa minoria. A imprensa tradicional e as universidades trabalham para obnubilar nossa percepção da realidade e fazer crer que são maioria. Mas aí está o valor precioso das manifestações de primeiro de agosto de 2021: lotando as ruas, o povo mostra que não é assim.

Fecho este texto com uma memória que serve de contraexemplo. Um dia eu estava passando pela Praça Campo Grande, em Salvador, quando notei modelos maquiadas e muito bem vestidas sentadas nos bancos. Por que alguém se veste como que para festa e senta numa praça do centro da cidade sob o sol? Olhei para os lados e vi o ongueiro japonês com um megafone dando instruções e gente carregando uma faixa com as palavras: “Marcha do empoderamento crespo”.

Isto faz uns anos, já. Lembro-me de algum esquerdista ter tirado uma baita foto das modelos chiques sentadas perto de um mendigo e depois ter sofrido fogo amigo no Facebook. O ongueiro japonês estava à frente de tudo quanto era manifestação em Salvador – até do Movimento Passe Livre. Sua ONG tinha contratos com o governo de Tião Viana, no Acre, e de Renan Filho, em Alagoas.

Olhando em retrospecto, vejo que o PT tentou domar as ruas com manifestantes artificiais. Falhou.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]