A liberdade caiu primeiro na universidade. Depois, os progressistas armaram um cerco contra as Igrejas e agora usam os aríetes que o STF lhes deu.| Foto: Reprodução/ Twitter
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Testemunhas de Jeová são uma das religiões mais perseguidas no mundo; suas atividades são consideradas ilegais até hoje na Rússia, mesmo após o fim da União Soviética. Tendo surgido só em 1870, nos Estados Unidos, as testemunhas não têm tempo para contar uma longa história de perseguição, como os judeus. Mas, mesmo que tivessem, dificilmente o fariam. Ao contrário dos judeus, elas não são boas em contar sua própria história à sociedade.

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E o motivo disso é a própria razão que as faz tão perseguidas: seu caráter apolítico radical. No Brasil, onde o voto é o obrigatório pero no mucho, as testemunhas anulam o voto ou pagam aquela multinha. A principal fonte de escaramuças com estados nacionais é sua proibição de servir ao Exército – coisa que levou milhares de testemunhas à prisão no III Reich. De novo, no Brasil o serviço militar é obrigatório pero no mucho.

Como são apolíticas, as testemunhas de Jeová não se empenham em contar ao mundo sua perseguição. Só estão à espera do Juízo Final.

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No mesmo dia em que Barroso lançou uma notinha mandando Alexandre de Moraes incluir o presidente em seu inquérito ilegal sobre um crime que não existe (fake news), o delegado Henrique Pessoa, da 151ª DP de Nova Friburgo (RJ), aliado ao novo entendimento (ou antes lei) do STF, abriu um inquérito segundo o qual a homofobia é a mesma coisa que racismo.

Por que escrevi esta longa introdução falando das testemunhas de Jeová? Porque, graças ao inquérito do delegado Pessoa, o Brasil poderá ser incluído na seleta lista de países que promovem perseguição religiosa: autocracias, países comunistas, teocracias islâmicas, republiquetas de bananas e estados falidos da África ou Oriente Médio.

A denúncia

É bom esclarecer que o caso investigado não diz respeito às testemunhas de Jeová, mas durante o texto você, leitor, entenderá a relação. O caso citado acima, de Nova Friburgo, trata da igreja neopentecostal Sara Nossa Terra. Antes de meados dos anos 1980, os evangélicos brasileiros em geral integravam uma contracultura apolítica. (Quem tiver interesse sobre o assunto pode ler “Neopentecostais”, de Ricardo Mariano). Embora o quadro tenha mudado bastante e Edir Macedo seja um notório dono de votos, ainda existem crentes apolíticos no Brasil. E um exemplo é justamente o discurso da pastora Karla Cordeiro, perseguido pela polícia.

Eis os três trechos da fala criminalizados:

  • “É um absurdo pessoas cristãs levantando bandeiras políticas, bandeiras de pessoas pretas, bandeiras de LGBTQIA+, sei lá quantos símbolos tem isso aí. É uma vergonha!”
  • “É uma vergonha falar, mas chega de mentiras, não vou mais viver de mentiras. A nossa bandeira é a de Jeová Nissi, é Jesus Cristo. Ele é a nossa bandeira. Para de querer ficar postando coisa de gente preta, de gay. Para! Posta a palavra de Deus que transforma vidas. Vira crente! Se transforma, se converta!”
  • “As pessoas estão mais preocupadas com preconceitos do que com perseguições. As bandeiras que vocês têm levantado têm gerado morte nas pessoas. É mais importante defender o direito de um gay, de um preto, de um político do que você defender a palavra de Deus?”
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Se pegássemos uma frase isolada dentre esses trechos, tais como “É um absurdo pessoas cristãs levantando […] bandeiras de pessoas pretas” e “ Para de querer ficar postando coisa de gente preta”, seria muito óbvio e natural condenar a pastora como racista. Entenderíamos que ela considera errado cristãos levantarem certa bandeira só por ela ser de “pessoas pretas”, quando o correto é levantar ou deixar de levantar uma bandeira sem se preocupar com a cor do seu dono. O último trecho, sem contexto, deveria escandalizar qualquer bom cristão, haja vista que defender direitos humanos (aqueles de 1948, não os de Jean Wyllys) sem se importar com a cor ou a sexualidade é uma obrigação de qualquer ser humano decente.

No entanto, se considerarmos o contexto e se soubermos que existe uma versão crente da Teologia da Libertação (chamada de “teologia integral”), é de uma clareza cristalina que a pastora defende a agregação dos evangélicos sob a bandeira única da fé (“A nossa bandeira é a de Jeová Nissi”), bandeira que exclui as outras – sejam elas as bandeiras do movimento negro ou do movimento LGBTQIA+.

Ninguém é obrigado a concordar com a pastora. Se o crente quiser, pode sair da Sara Nossa Terra ou se articular para mudá-la por dentro. Também fique claro que não se trata de uma minoria étnica numa situação análoga à dos judeus no III Reich. Os direitos dos negros em questão são privilégios especiais, como cota racial.

Bizarro é que alguém tenha tido a ideia de chamar a polícia. Não foi um militante desocupado que acha que crentes são nazistas e assistiu à transmissão do culto na Internet à espera de uma frase solta. Foi um crente de 17 anos que se sentiu ofendido e ligou para a polícia. A idade é sinal dos tempos: estamos educando cidadãos-denuncistas sem autonomia, para os quais resolver problemas significa clamar por intervenção da autoridade. Gente que acha que só autoridade tem responsabilidade.

O direito de ser apolítico

Se eu tivesse alguma fé religiosa e participasse de alguma igreja, concordaria com tudo o que a pastora disse. E o que ela disse vale para qualquer organização que tem uma finalidade não-política. A universidade, por exemplo. Sua finalidade, em tese, são o aprimoramento do conhecimento e a preservação de legados culturais (as universidades nasceram dos mosteiros, que a seu turno eram cheios de copistas para preservar até os livros ímpios dos pagãos).

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Se eu ainda estivesse na universidade, diria coisas muito parecidas com o que a pastora disse: devemos nos unir em torno da busca da verdade, não de agendas político-partidárias. Não que um pesquisador esteja proibido de ter preferências políticas; se as tem, que faça isso fora da universidade. O máximo de mistura entre o político e o acadêmico deveria ser o fato de o político se servir da verdade descoberta pelo acadêmico, ou de o acadêmico descobrir no político objetos de estudo pertinentes.

Agora as testemunhas de Jeová entram novamente em cena. Tudo o que a pastora disse, ou que eu diria, é essencial não apenas ao credo evangélico, mas também ao credo das testemunhas de Jeová. As testemunhas de Jeová não se mexem para alertar nem sobre a própria perseguição na Rússia e em países islâmicos  – que dirá contra a perseguição (real) aos gays nos mesmos países. Não se mexem para eleger nenhum político que lhes seja favorável. Faz sentido que se mexam para reivindicar privilégios para autodeclarados negros e LGBTQIA+?

E se uma testemunha de Jeová chegar na igreja e disser: “Sabem, acho que nós devemos defender os direitos das pessoas negras e LBGTQIA+”, o que o STF acha que vai acontecer? É evidente que esse fiel será rechaçado pela autoridade maior da sua igreja. Diante de tudo isso e do precedente perigoso estabelecido em Nova Friburgo, se as testemunhas de Jeová não foram oficialmente banidas do Brasil, é porque ainda não aconteceu de serem denunciadas por um aborrecente mimado, feito a pastora da Sara Nossa Terra.

Liberdade para recusar religiões

O Pastor Guilherme Carvalho, que escreve para esta Gazeta do Povo, costuma frisar que as igrejas evangélicas não podem enfiar os negros e os gays no mesmo balaio, que é o que fazem os progressistas. Ninguém escolhe nascer negro ou branco; logo, ser negro ou branco não tem nenhum traço de moralidade. É possível que ninguém escolha nascer atraído pelo mesmo sexo, mas decidir agir conforme à atração é uma escolha de cada um.

Alguns (eu inclusa) acham um disparate mandar que homens que só se interessam por homens se casarem com mulheres, ou então viverem como celibatários. Quando o pastor considera que desejo não é destino, porém, vejo-o enunciar uma verdade básica e elementar da liberdade humana. Liberdade da qual faz uso todo gay que escolhe passar ao largo de qualquer instituição que lhe mande se casar com mulher ou viver em celibato. O pastor tem a necessidade de reconhecer a liberdade humana para fazer a sua pregação. É o contrário do progressista, que considera o homem um autômato, uma engrenagem cujos movimentos vêm todos de determinações alheias à sua vontade, sejam elas determinações identitárias (mulher, negro, gay etc) ou de classe social.

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A questão da homossexualidade traz à tona a questão da ciência e da religião. É lícito que o Conselho de Psicologia conclua que qualquer tratamento de reconversão de sexualidade conhecido é ineficaz e, por isso, proíba psicólogos de usarem suas credenciais para oferecerem esse tipo de tratamento. Mas se o Conselho fizer uma proibição moral dos tratamentos ou se perseguir psicólogos que deem aconselhamentos espirituais sem se valer de suas credenciais, ele sai da esfera acadêmica e adentra a política. E a religião, como não está no âmbito da ciência, não está sob o jugo de qualquer conclusão que o Conselho de Psicologia tome. Trocando em miúdos, se uma religião decidir que a terra é plana, que faça isso dentro de sua igreja sem ser perturbada. Só não vá querer mexer no currículo escolar nem mandar na universidade.

Os currículos e as universidades tampouco deveriam sofrer influência de outras entidades dogmáticas, como os movimentos políticos progressistas. O Brasil não é como o Líbano, onde a cidadania é condicionada ao pertencimento a uma religião organizada.

Credos ideológicos

Aqui temos plena liberdade para viver sem aderir a um credo religioso. Quanto a um credo ideológico, há controvérsias.

O consenso científico é incapaz de apontar uma causa 100% biológica para a homossexualidade. Se todos os gays nascessem gays (e todos os hétero, hétero, etc.), todos os gêmeos idênticos teriam a mesma sexualidade, o que não é o caso. A ideologia oficial agora nos manda crer que todo gay nasce gay e deve ser respeitado enquanto tal. Será possível alguém levantar – na universidade ou na igreja – a possibilidade de a homossexualidade ser transitória em alguns casos? E se o fizer num espaço aberto como um jornal, a polícia virá atrás? E se o fizer numa ceia natalina diante dos olhos de um aborrecente com câmera? Ele não poderá ligar para a polícia?

Enquanto a sexualidade é pétrea, o sexo é móvel. A ideologia de gênero afirma que não se nasce homem ou mulher e que existem mil gêneros intermediários. E se o aborrecente se autoidentificar como pessoa trans não-binária? Não poderá filmar o tio e mandar para a polícia?

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A liberdade caiu primeiro na universidade. Depois, os progressistas armaram um cerco contra as Igrejas e agora usam os aríetes que o STF lhes deu. O que todos deveríamos notar é: se um adolescente imaturo pode pegar o celular, filmar os parentes críticos do progressismo e ligar para a polícia, ficamos na mesma posição que habitantes de países totalitários, em que  vizinho e o familiar são delatores potenciais.

Os avanços da ditadura progressista precisam acabar.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]