Por mais que eu desejasse, não poderia imaginar que 2017 seria um ano importante para o conservadorismo no Brasil. O pensamento conservador saiu do gueto onde estava e hoje o conservador brasileiro não tem vergonha de ser o que é. O conservadorismo não é mais sinônimo de regime militar ou que tais, muito embora ainda haja enormes equívocos ou mesmo ataques ideológicos ignorantes que tentam fazer do conservadorismo uma espécie de fascismo et caterva. Ou que tentam reduzi-lo a uma versão renovada e caricata da antiga Tradição, Família e Propriedade (TFP).
Sei que há muito o que fazer e não quero passar a imagem de que os conservadores conseguiram mais do que poderiam e queriam. A importância a que me refiro precisa ser considerada a partir de sua própria dimensão, que hoje é pequenina, mas que até ontem era nenhuma. O ambiente cultural, intelectual, político, econômico e jornalístico ainda é contrário ao pensamento conservador e não estamos nem longe de conquistar os espaços e o poder que nossos adversários hoje têm e desfrutam.
Se saímos do ponto zero, porém, acredito que as pequenas vitórias devem ser lembradas, celebradas e convertidas em estímulo, mas sem perder a medida do que representa e do que não representa o conservadorismo e dos desafios e dificuldades a serem superados.
Sobre obstáculos, penso, por exemplo, que ainda faz parte de certo senso comum acusar alguém de ser conservador (ou muito conservador) porque religioso, porque contra o aborto, porque defensor da família, porque contrário às tentativas de militâncias de esquerda de politizar as diversas esferas da vida em sociedade. A batalha cultural vigente no Brasil é, em parte, uma reação de conservadores à politização de várias dimensões da vida em sociedade.
A dimensão moral dessa batalha é fruto disso: a esquerda criou ou cooptou diversos movimentos (negro, LGBT etc.) para impor agendas políticas distintas e assim tentar moldar a sociedade de acordo com esse projeto ideológico usando para isso o Estado. Muitos desses movimentos dizem querer ser respeitados, mas desrespeitam a sociedade ao pretender impor as suas bandeiras pela força, pela gritaria e com o dinheiro dos tributos pagos por todos.
Porque o conservador é cético em relação à política formal e aos políticos, não acha que ambos tenham a capacidade de aperfeiçoar os seres humanos nem de redimir a natureza humana – e que sequer pretendam fazê-lo. Nem aceita, por essa razão, que qualquer governo ou grupo de pressão de militantes queira impor pela via estatal (principalmente jurídica) as suas agendas para obter direitos especiais e privilégios. A reação virá – como está vindo.
O conservador entende que toda pessoa deve ser respeitada por ser um ser humano, não em função de um atributo físico específico, de seu gênero ou de sua cor. Isso significa que o Estado também não pode, por regra, discriminar qualquer pessoa por quaisquer instrumentos legais, políticos ou administrativos. Se é função do Estado proteger a todos, não pode um grupo da população pretender uma excepcionalidade. Todos devem ser respeitados e protegidos independente do que são e devem assumir a responsabilidade por aquilo que fazem (e aqui pode caber as exceções que justificam discriminações legais, como o criminoso que é tratado legalmente como tal).
O conservador não está, por exemplo, minimamente interessado no que acontece na vida privada dos indivíduos representados pela sigla LGBTQI – nem mesmo na conduta sexual dos heterossexuais. Mas a partir do momento em que a militância LGBTQI usa a sua vida sexual e privada como justificativa para adoção de certas políticas públicas disfarçadas de combate ao preconceito e luta por direitos não poderá reclamar das reações contrárias, posto que as consequências intencionais e não-intencionais de seus objetivos afetam a todos. Uma das formas de ação dessa militância é atacar a “família tradicional” para depois, perante a reação dos defensores da família, tentarem inverter as posições e acusá-los de terem primeiro atacado. O curioso é que a extinção da família tradicional que parte dessa turma prega com veemência será, necessariamente, o fim dos futuros LGBTs que não terão como vir ao mundo.
Mas eu dizia que foi um ano importante para o conservadorismo porque, finalmente, conservadores apareceram e se impuseram no debate pela força e virtude de suas ideias (estou desconsiderando aqui os malucos que são ou que se dizem conservadores). Essa modesta ascensão pode ser verificada nos livros conservadores publicados em 2017 por editoras pequenas, médias e grandes; pelo interesse cada vez maior das pessoas; pela atenção crescente da grande imprensa, que mesmo cometendo os mesmos erros de sempre tem aberto algum espaço aos conservadores, mesmo que para criticá-los estupidamente, o que pode ser explicado pelo fato de que a maioria dos jornalistas não esteja entendendo absolutamente nada sobre o atual momento histórico do Brasil. Uma das exceções na imprensa tradicional é esta Gazeta do Povo, que contratou colunistas vinculados ao pensamento conservador e tem procurado, nesse sentido, alinhar-se editorialmente.
Recordo aqui alguns destaques conservadores de 2017, como os livros A Corrupção da Inteligência, do Flávio Gordon, e Contra o Aborto, de Francisco Razzo; o trabalho do Alexandre Borges com seus mais de 160 mil seguidores no Facebook; os textos do Martim Vasques da Cunha no Estadão; a consolidação do Carlos Andreazza como colunista d’O Globo e comentarista na Jovem Pan; o trabalho do Felipe Moura Brasil no Antagonista e também na Jovem Pan; os artigos de Ana Paula Henkel no Estadão, o trabalho do crítico literário do Rodrigo Gurgel, o labor aguerrido do Bene Barbosa para restaurar o nosso direito de comprar e portar armas de fogo, o Bunker do Dio (canal do Youtube do Dionisius Amendola), o filme Jardim das Aflições sobre a obra de Olavo de Carvalho, o crowdfunding para o filme Bonifácio – O Fundador do Brasil (do Mauro Ventura), o início da produção do filme As Artes do Belo (do Carlos Nougué), a crescente audiência dos sites Senso Incomum (do Flavio Morgenstern) e Tradutores da Direita, os lançamentos das editoras Record, É Realizações, Editora Âyiné, Vide Editorial, Resistência Cultural e Editora Concreta, a Ordem do Mérito Cultural recebida pelo professor de filosofia Paulo Cruz, que também está escrevendo um livro e, assim como eu, Gordon, Borges e Razzo, está entre os articulistas e colunistas deste jornal. Também destaco a não inclusão da ideologia de gênero na Base Nacional Comum Curricular e o combate cada dia mais aguerrido contra as fake news.
Nesse aspecto, entretanto, será preciso combater as fake news disseminadas dentro de parte da própria direita, que não tem por hábito checar informações. Será necessário também corrigir erros conceituais e aplicações inadequadas de pensadores conservadores. Outro dia li um artigo em que o autor usava o filósofo Michael Oakeshott de maneira bastante equivocada. Esse tipo de correção eu mesmo pretendo fazer quando tratar-se de autor e de tema que faça parte dos meus estudos. Porque amigo da verdade, um conservador não pode compactuar com distorções e erros graves cometidos por outros conservadores.
Muitas batalhas culturais também foram vencidas, mas o principal foi delas os conservadores terem participado. E esses embates não foram travados apenas contra a esquerda, mas tiveram como adversários libertários e anarcocapitalistas. Mesmo com toda ignorância, estupidez e agressividade demonstradas em vários episódios, acredito que tudo isso faça parte de um processo de acesso ao conhecimento e de amadurecimento político. Caberá a nós melhorar o nível das discussões e das batalhas para que o atual momento dê bons frutos no futuro.
No meu caso, além do contínuo sucesso do meu livro Pare de Acreditar no Governo, que está prestes a atingir a 10ª edição e está fundamentado no espírito conservador de defesa da responsabilidade pessoal e de crítica severa ao estatismo, fui convidado a falar sobre conservadorismo em lugares que no passado recente não abririam as suas portas para tal assunto, como o Pânico na Rádio e o Morning Show, ambos da Jovem Pan. Também concedi entrevistas para o Felipe Moura Brasil do Antagonista, para a jornalista Leda Nagle em seu canal no Youtube, para o Estadão e para o Valor Econômico (ambas a serem publicadas).
Fui ainda convidado para diversos eventos dedicados ao pensamento conservador em diferentes estados brasileiros, vi a formação de grupos de estudos sobre conservadorismo e a criação de institutos conservadores. Há cada vez mais pessoas interessadas e empolgadas com o assunto. Existem ainda muitos que, decepcionados com malucos com discurso agressivo e delirante, afastaram-se ao descobrir que aquilo não era conservadorismo.
Para completar, estou envolvido na elaboração do meu novo livro, que será lançado no primeiro semestre de 2018, e em projetos audiovisuais sobre os quais nada posso falar ainda, mas que, certamente, darão uma contribuição qualitativa ao conservadorismo brasileiro. Algo que venho tentando fazer nos meus artigos aqui na Gazeta do Povo e no meu canal no Youtube: um empreendimento pedagógico para mostrar o que é conservadorismo e aquilo que falsamente é vendido como tal nas redes sociais.
Meu trabalho é parte do esforço que tenho visto em alguns para, valendo-se da nossa tradição conservadora do século XIX, desenvolver um conservadorismo brasileiro para o século XXI; um conservadorismo que, mesmo com algumas influências estrangeiras, representa a nossa cultura, os nossos modos de vida, a nossa experiência histórica; um conservadorismo que tenha como parte estrutural de sua natureza dois ensinamentos valiosos: “O ato moralmente bom pressupõe, em simultâneo, a bondade do objeto, da finalidade e das circunstâncias. Um fim mau corrompe a ação, mesmo que o seu objeto seja bom em si” (Catecismo 1755). “Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem” (Romanos 12:21).
Reitero: 2017 foi, sim, um ano importante para o conservadorismo no Brasil, mas os conservadores não podem jamais perder a medida da sua própria dimensão e de tudo o que ainda têm a enfrentar e produzir intelectualmente. Há muito a ser feito e o padrão de qualidade tem que aumentar. Que 2018 seja um ano de mais trabalho e de conquistas. São os meus votos também para você, caro leitor, mesmo que não sejas um conservador.