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A prudência conservadora contra a desordem moral e legal

(Imagem: Reprodução) (Foto: )

No Brasil, a prudência conservadora deve ser entendida a partir do nosso contexto político, social e histórico. Se em países com tradição de respeito à vida, à lei, à propriedade e com longa experiência de construção, aprimoramento e respeito às instituições faz sentido evocar a prudência em vários aspectos, aqui ela deve ser entendida e usada adequadamente não apenas para impedir mudanças revolucionárias, mas para promover todas as alterações necessárias, sem, entretanto, recorrer a soluções radicais que destroem os elementos positivos e benéficos da nossa experiência social.

O temor de que suas ações possam provocar rupturas não deve ser um problema para o conservador brasileiro porque muito do comportamento social e político que estrutura o atual statu quo foi artificialmente criado por elites políticas anticonservadoras, autoritárias e revolucionárias. É tarefa do político conservador remover os obstáculos e incentivos legais e institucionais existentes, que são um mecanismo oculto de engenharia social. Porque estão legitimados pela lei e pela prática, os instrumentos de controle nem são percebidos pela maioria, que, educada para servir, acha que são necessários e pedem por mais servidão.

É um exemplo escandaloso de controle social a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada, que considerou ilegal o ensino domiciliar. Não havendo uma lei que proibisse expressamente o direito dos pais de ensinarem os próprios filhos em casa, o Estado, pelas mãos dos ministros do STF, completou o processo de estatização do ensino iniciado pelo governo de Getúlio Vargas. A partir de agora, para que as famílias possam praticar o ensino domiciliar sem serem processadas pelo Estado, o Congresso Nacional terá de criar uma lei para autorizar aquilo que não é explicitamente vedado por norma alguma.

A prudência conservadora no Brasil é útil para identificar com precisão quais são os mecanismos de engenharia social desse tipo, quem os cria e quem os defende, lutar para eliminá-los ou reformá-los (se possível), e criar instrumentos de proteção da sociedade. Em situações como a que vivemos, a prudência conservadora não pode ser confundida com passividade ou leniência com o establishment. Identificado o problema, a demora de agir ou a inação serão atitudes anticonservadoras.

Sendo o guardião da ordem da alma (moral) e da ordem da comunidade (legal), dois termos usados por Russell Kirk em A Política da Prudência, se ambas forem ameaçadas, o conservador deve agir para protegê-las; se forem destruídas, deve agir para restaurá-las (ou recriá-las). Como revela a própria história do Partido Conservador brasileiro do século 19, os saquaremas foram não só guardiões, mas construtores do nosso Império e protagonistas de mudanças sociais importantes, como as leis antiescravagistas.

Quando os mais importantes conservadores estrangeiros e brasileiros condenam a ação revolucionária e sugerem prudência com as mudanças, que devem ser graduais, estão considerando precisamente os seus ambientes e contextos, a ordem moral e a ordem constitucional existentes em suas épocas. Não pretenderam, com suas exortações, pregar uma posição prudencial em todas as hipóteses e circunstâncias.

Assim podemos entender de forma exata os ensinamentos do Visconde do Uruguai quando ele escreveu para não procurarmos “o melhor em abstrato, teoricamente e no papel, mas o que é relativamente possível e atualmente aplicável”. Se é necessário “remover os inconvenientes que é possível arredar”, ele propunha “resignar-nos aos inevitáveis, ou procurar atenuá-los, e esperar do tempo, do desenvolvimento do espírito público, e do senso prático da população aquele maior grau de melhoramento que podem atingir as sociedades humanas”.

Essa dimensão específica da prudência conservadora fazia sentido no contexto histórico do século 19 com o sistema monárquico constitucional parlamentar, a qualidade dos homens que formavam a elite do nosso Império e as circunstâncias e desafios daquele período em que o Estado brasileiro ainda não havia se tornado um Megatério, como João Camilo de Oliveira Torres o definia, nem o país havia sofrido a malfadada experiência do socialismo no poder. Extraídas de sua realidade histórica, as palavras do Visconde de Uruguai só terão novamente sentido completo quando restauradas no Brasil a ordem moral e a ordem constitucional. Justamente por isso, vivemos um momento em que o conservadorismo não é somente necessário, mas urgente.

Não é possível hoje, portanto, apenas “resignar-nos aos inevitáveis” ou “esperar do tempo, do desenvolvimento do espírito público, e do senso prático da população aquele maior grau de melhoramento que podem atingir as sociedades humanas”. E a maneira mais adequada para um conservador agir neste momento rico, complexo e delicado da nossa história é fazer as coisas acontecerem nas esferas cultural, social, política, econômica. Porque a nossa tradição conservadora do século 19 se perdeu, a ação necessária é restaurar aquilo que pode ser restaurado, as coisas permanentes como as chamava Russell Kirk, e criar elites, teoria, cultura e práticas políticas novas a partir da tradição esquecida.

Vivendo num momento de desordem moral e desordem constitucional que se manifestam explicitamente na ação daqueles que estão no topo da cadeia de comando das instituições políticas e jurídicas dos três poderes, não pode o conservador brasileiro extrair daquelas advertências e conselhos uma orientação universal e atemporal. Se o fizer, fará o jogo dos revolucionários: ser prudente com quem está disposto a tudo, inclusive matar os que consideram serem seus inimigos.

A prudência conservadora serve para defender, preservar e restaurar a ordem moral e a ordem constitucional, não para se omitir diante de ações políticas, jurídicas e criminosas praticadas por quem quer que seja.

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