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Crise no Brasil: o que devemos fazer?

Todo o turbilhão de salitre e breu da política brasileira (obrigado, William Blake) é pedagógico para uma sociedade que desconfia dos políticos, mas que, paradoxalmente, deseja e exige que o Estado, comandado por aqueles mesmos políticos, seja o grande agente do desenvolvimento social, político e econômico.

No painel sobre o Brasil na semana passada no XXV Estoril Political Forum, evento anual realizado no balneário português pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, apresentei para a audiência de estudantes, professores e representantes de instituições de Portugal, da Europa e dos Estados Unidos aqueles que eu julgo serem os principais desafios que devemos enfrentar neste momento de crise. São eles:DESENVOLVER UMA ELITE NATURAL (INTELECTUAL E POLÍTICA) guiada pelas virtudes que desenvolvemos ao longo de nossa história e que hoje estão adormecidas, esquecidas ou mesmo perdidas.

1- RESTAURAR O ESPÍRITO DA ARISTOCRACIA E DA NOBREZA que existia no Primeiro e no Segundo Reinado no Brasil.

2- SUPERAR OS EFEITOS COLATERAIS da ausência de uma identidade comum, que provoca um alto grau de desconfiança interna, o sentimento de não pertencimento e o contrário da sensação de familiaridade.

3- MODIFICAR O HÁBITO DE VIOLAÇÃO DAS REGRAS dentro do qual a corrupção ocupa lugar de destaque. Respeitar as regras (formais e informais) é fundamental para uma vida harmoniosa em sociedade.

4- OCUPAR ESPAÇOS NAS UNIVERSIDADES, que formam a intelectualidade e a intelligentsia e que são há décadas território controlado por militantes de ideologias de esquerda.

5- OCUPAR ESPAÇOS NA POLÍTICA FORMAL e nas instituições políticas, incluindo o judiciário. A transformação porque passa o país será, em algum momento, assimilada e vocalizada por políticos, ou pelos que hoje estão em atuação e são seguidores dos anseios de parcelas da sociedade ou pela nova elite política que está neste momento em gestação.

6- APRIMORAR AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS (o que inclui os partidos políticos) para que representem, no âmbito político, o espírito da aristocracia e da nobreza.

7- REFORMAR A POLÍTICA, não só no já citado âmbito cultural que apontei nos pontos 2, 3 e 4, mas uma reforma do sistema de governo, de presidencialismo para o parlamentarismo. Não se trata de uma importância alienígena à nossa cultura política posto que tivemos uma bem-sucedida tradição parlamentar no século XIX. E mesmo que hoje a proposta soe implausível ou irrealista, vocês que me leem sabem que defendo a restauração da Monarquia Parlamentar Constitucional.

Quanto ao parlamentarismo, do ponto de vista institucional, é modelo que permite a resolução mais rápida de crises políticas – e somos experientes nessa matéria – antes de haver grandes traumas e uma degeneração da própria política pela manutenção no poder de elites degeneradas cuja permanência produz instabilidades e conflitos.

Nesse aspecto, revelador é o resumo da instabilidade da república presidencialista no Brasil a partir do golpe militar de 1889: 6 constituições federais, 9 moedas, por 6 vezes o parlamento foi fechado, houve 5 golpes de estado, 13 presidentes não concluíram os seus mandatos, 31 presidentes foram eleitos indiretamente, incluindo o atual, Michel Temer.

Dos 8 tópicos que apresentei de maneira esquemática, já se vê um esforço de uma parcela da sociedade brasileira no sentido de desenvolver os pontos 3, 5 e 6.

Há, felizmente, um grupo minoritário, mas crescente e qualificado, que opera para converter-se nessa elite natural, cumprir os demais tópicos e inspirar a sociedade assim como o fizeram alguns de nossos gigantes do século XIX, homens como Visconde de Cairu, Bernardo Pereira de Vasconcelos, Marquês do Paraná, Visconde do Uruguai, Duque de Caxias, Visconde do Rio Branco, José Bonifácio de Andrada e Silva, Visconde de Itaboraí, Marquês de São Vicente, João Correia Alfredo de Oliveira, Marquês de Caravelas, eles que foram “estadistas autênticos” e “verdadeiros pensadores políticos” na definição precisa do historiador João Camilo de Oliveira Torres gravada no seu livro Os Construtores do Império.

Estamos em um momento especial em que só reformar as instituições não é o suficiente para alterar o estado de coisas e até mesmo fazer o sistema funcionar. É preciso, paralelamente, restaurar essa dimensão individual que está ancorada nas coisas permanentes. A própria ideia de liberdade, da tradição da liberdade, deve começar pela liberdade endógena, individual, para que nós brasileiros possamos romper com esse traço comportamental de servidão voluntária que nos faz delegar, terceirizar, as nossas responsabilidades para um terceiro, seja uma pessoa, uma instituição e o próprio Estado.

Mas há que haver um esforço de superação desses desafios no presente, condição sine qua non para que tudo o que foi realizado até agora não seja socialmente diluído e politicamente dispersado ou abandonado. Lembremos que estamos há pouco mais de um ano da eleição presidencial de 2018 e o ex-presidente Lula, que é investigado por corrupção pela Lava Jato, lidera todos os cenários nas pesquisas feitas até agora para vencer seus virtuais adversários no 1º turno e, se houver, também no 2º turno.

O Brasil de hoje, mesmo com o turbilhão atual, vive uma bem-vinda transformação de baixo para cima. É, portanto, um país melhor do que o de ontem, quando apático e indiferente à política e aos grupos ideológicos que instrumentalizaram o Estado para servir ao partido e ao seus projetos de poder.

Entretanto, se é verdade que a turbulência atual da política brasileira abre uma grande janela de oportunidade para mudanças virtuosas, substantivas e duradouras, também abre uma porteira para aventureiros, criminosos e autoritários nos âmbitos intelectual, político e econômico. Eles que aproveitam-se da debilidade da política e da fragilidade das instituições do Estado para ascenderem ao poder e fundamentarem a sua práxis numa versão nativa da política de fé definida por Michael Oakeshott.

Por trás de toda turbulência porque passa o país há sinais e evidências de uma parcela da sociedade que pretende ser melhor do que suas elites; que pretende ser ela mesma comandante de seu destino e formadora de elites que representem o que temos de melhor, não aquilo que temos de pior.

Se formos bem-sucedido perante esses desafios, conseguiremos aprimorar as nossas virtudes eliminar os nossos vícios.

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