Eis o fato que gerou discussão na semana passada: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) afirmou em entrevista à rádio Jovem Pan que, na hipótese de o candidato Geraldo Alckmin do PSDB não passar para o segundo turno, ele e o seu partido poderiam apoiar o candidato do PT, Fernando Haddad, contra o candidato Jair Bolsonaro, do PSL.
Por parte do PSDB, o apoio numa eleição presidencial não será novidade. Em 1989, após Mario Covas fracassar no primeiro turno, o partido apoiou Lula contra Fernando Collor de Mello no segundo turno (Lula perdeu). A possibilidade existe, mas, dadas as circunstâncias atuais, creio que o segundo turno que se desenha será entre Geraldo Alckmin e Jair Bolsonaro. Nesse caso, o PT apoiaria o candidato do PSDB?
Na sabatina realizada recentemente pelo BTG Pactual, questionado sobre esse cenário hipotético, Haddad disse veladamente que o PT poderia apoiar Alckmin.
Haddad lembrou que em São Paulo a aliança circunstancial entre petistas e tucanos ocorreu quando havia um inimigo em comum. Em 1998, na eleição para o governo estadual, Martha Suplicy, candidata do PT derrotada no primeiro turno, apoiou Covas no segundo turno contra Paulo Maluf (PPB). Covas venceu. Em 2000, na eleição para a prefeitura, a situação se inverteu: perante a derrota no primeiro turno de seu candidato Alckmin, Covas e o PSDB apoiaram Martha no segundo turno contra Maluf. Martha venceu.
Há dois aspectos anteriores que parecem ter marcado o espírito e o coração de FHC para sempre em relação a Lula e ao PT: ideologia e apoio no início da carreira política. Sociólogo socialista, este pleonasmo vicioso, e intelectual marxista, FHC foi treinado e formado na Universidade de São Paulo (USP). Na USP trabalhou sob orientação do professor socialista Florestan Fernandes, que fundou a sociologia crítica no Brasil e, em 1986, filiou-se ao PT e elegeu-se deputado federal pela primeira vez (em 1990 foi reeleito).
Quando, em 1978, FHC disputou a sua primeira eleição como candidato ao Senado pelo MDB, contou com o apoio de Lula, na época uma importante liderança sindicalista no ABC paulista. Na época, a proximidade e a identificação entre ambos foram tão grandes que os dois planejaram a criação de um novo partido, que só não vingou porque Lula tinha urgência, FHC não. Antes que uma nova sigla fosse criada, FHC queria Lula no MDB.
Em 1979, FHC disputou contra Leonel Brizola a representação no Brasil da Internacional Socialista em um encontro realizado em Viena. Brizola venceu e FHC iniciou um processo de conversão à social-democracia que, anos mais tarde, resultaria na criação do PSDB.
PT e PSDB são irmãos de uma mesma família política: o socialismo. A acusação feita pelo PT de que o PSDB era de direita é similar a um irmão que, ao se irritar, xinga a mãe, se esquecendo de que é filho do mesmo ventre. É por isso que, hoje, o inimigo comum da esquerda representada por petistas e tucanos chama-se Jair Bolsonaro. Precisamente por essa razão é que, num cenário em que Bolsonaro consiga passar para o segundo turno, os dois partidos se unirão a outras siglas de esquerda que são seus satélites, e às oligarquias que formam o centrão, para apoiar o candidato de um ou de outro que vá para a segunda volta. O objetivo maior será derrotar o candidato do PSL, que vem angariando cada vez mais apoio em extratos distintos da sociedade brasileira.
Não é só entre os políticos que o movimento contrário a Bolsonaro está em curso. A posição de FHC faz parte de uma reação que vem sendo expressa por jornais, revistas, esquerdistas de várias matizes, de artistas a youtubers, temerosos da eleição do candidato do PSL.
No mês passado, o comediante de esquerda Gregório Duvivier dedicou um programa inteiro do seu Greg News na HBO para atacar Bolsonaro. Fez um roteiro para tentar transmitir a ideia de que o candidato do PSL é o cão (armado) chupando manga. Pior: durante 20 minutos, tentou convencer a sua audiência de que Bolsonaro é, para o Brasil, pior do que Hitler foi para a Alemanha. Com mais de 1,2 milhão de visualizações, o vídeo teve mais descurtidas (90 mil) do que curtidas (86 mil).
Toda essa exasperação faz lembrar o temor da esquerda americana em relação à Donald Trump durante a campanha presidencial de 2016.
Em novembro daquele ano, um mês antes de Trump se eleger presidente, escrevi que estava convencido de que o candidato do Partido Republicano venceria a eleição. Não o fiz por torcida ou apantomancia, mas por aquilo que chamei de Escala de Desespero Esquerdista. A medição funcionava da seguinte maneira: quanto maior a aflição mais elevada era a chance de vitória de Trump; quanto maior o temor da vitória mais elevada era a agressividade.
Em relação a Bolsonaro no Brasil tem se dado fenômeno similar. Muito se escreveu sobre semelhanças e diferenças entre Bolsonaro e Trump, mas, creio, as semelhanças são mais evidentes e mais profundas se compararmos a reação da esquerda daqui nesta eleição com a reação da esquerda de lá na eleição de dois anos atrás.
A intensidade e agressividade dos ataques contra Bolsonaro aumentaram nos últimos meses à medida que o candidato se consolidava como líder nas pesquisas de intenção de voto. A dois meses da nossa eleição, por diversão, venho usando a mesma Escala de Desespero Esquerdista para monitorar o comportamento da esquerda e das oligarquias. Se a Escala se revelar mais uma vez eficaz, os ataques contra Bolsonaro vão aumentar assim como as chances dele passar para o segundo turno contra o candidato do PT ou do PSDB.