Fernando Haddad, candidato do PT à Presidência, avançou nas intenções de voto e nas mais recentes pesquisas realizadas pelo Ibope, Datafolha e BTG, e está em segundo lugar isolado – para tristeza de Ciro Gomes – atrás do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que vem aumentando de forma consistente o apoio da parte do eleitorado. Uma vez apresentado como candidato do PT avalizado por Lula, Haddad vai abocanhando aquela faixa de eleitores que vota no PT ou em Lula seja lá qual for o ungido.
O que os analistas estão apostando neste momento é em um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. Se isso acontecer, Bolsonaro passa a ter o desafio de lutar contra a sua própria rejeição, tão alta quanto a de seu adversário, mas também contra a provável união dos partidos de esquerda em favor de Haddad. Mais do que nunca, a campanha de Bolsonaro terá de convencer a grande parcela que hoje ainda não escolheu candidato ou que pensa em votar nulo ou branco.
Muito se fala sobre o suposto perigo representando por Jair Bolsonaro, mas é praticamente inexistente na grande imprensa e televisão qualquer alerta sobre o risco para o país de um eventual governo de Haddad. Se ele for eleito, será o primeiro intelectual declaradamente marxista a ser presidente do país. Antes dele, o mais próximo que tivemos foi Fernando Henrique Cardoso, que antes migrou das hostes do marxismo universitário para uma práxis política social-democrata.
Assim como FHC, Haddad é filho da Universidade de São Paulo (USP): foi na USP que se formou em Direito (1985), fez mestrado em Economia (1990) e doutorado em Filosofia (1996). Assim como FHC, se tornou professor da instituição, mas na área de ciência política. Entrou para o PT em 1983, e em 1985 se elegeu presidente do centro acadêmico da Faculdade de Direito.
A partir do ano 2000, começou a trabalhar em governos petistas, primeiro na gestão de Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo e, depois, no governo Lula. Exerceu cargos no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e no da Educação até se tornar titular da pasta em 2005. Em 2012, se elegeu prefeito de São Paulo e fez uma administração desastrosa. Quatro anos depois, em 2016, quando estava no último ano de mandato e tentava a reeleição, o Datafolha divulgou pesquisa em que Haddad tinha rejeição de 47%, a pior avaliação entre os prefeitos desde 2000, quando o então prefeito Celso Pitta disputou a reeleição e perdeu. Haddad foi derrotado por João Doria.
Se Lula se orgulhava de seu antiintelectualismo, Haddad jamais escondeu seu gosto por ser identificado como intelectual, professor e político ilustrado. Num artigo para a revista esquerdista Piauí publicado em 2017, texto esclarecedor de suas posições e métodos, ele declarou as suas influências e compromisso ideológico: “Meus anos de universidade foram marcados pelo convívio com a nata da intelectualidade uspiana. Discutia filosofia com Paulo Arantes e Ruy Fausto, crítica literária com Roberto Schwarz, economia política com José Luís Fiori, história com Luiz Felipe de Alencastro, sociologia com Gabriel Cohn, direito com Dalmo Dallari e Fabio Comparato – e assim por diante. Estamos falando de grandes intelectuais a quem os jovens professores submetiam nossa produção acadêmica”.
Numa entrevista concedida cinco anos antes ao Estadão, Haddad revelou outras influências importantes para entendermos quem ele é e o que pensa: “Do ponto de vista do pensamento brasileiro, havia uma tradição que dialogava muito com a perspectiva marxista, que tem o Caio Prado, Fernando Novaes, Fernando Henrique Cardoso. Depois, pensadores que não eram marxistas, mas que dialogavam com a tradição da esquerda radical, como por exemplo Antonio Candido, Luis Felipe de Alencastro, Chico de Oliveira, Paulo Arantes. Todos esses, marxistas ou não, esquerdistas radicais, por assim dizer, moldaram a minha formação. Não escreveria essa interpretação do que foi o modelo soviético sem a inspiração desses autores. Evidente que o Marx é a inspiração longínqua, mais moderna. E não é mais possível falar em marxismo, são marxismos. Eu me filio à tradição de Frankfurt, que tem no Adorno e no Marcuse as expressões mais vistosas”.
A referência à Escola de Frankfurt é importante: seus integrantes criaram instrumentos intelectuais para tornar possível uma revolução cultural e política a partir do controle da linguagem e das ideias. O corolário desse empreendimento, alicerçado no marxismo, era a mudança de mentalidade e da própria política formal. Do politicamente correto à bandidolatria e antirreligiosidade, várias agendas ideológicas que hoje afetam o mundo ocidental são resultado direto da produção teórica da Escola de Frankfurt.
Com essas influências, Haddad escreveu os livros O sistema soviético, Em defesa do socialismo, Sindicatos, cooperativas e socialismo, Trabalho e linguagem – Para a renovação do socialismo. Escrito em 1989, ano da queda do Muro de Berlim, O sistema soviético é, por exemplo, uma tentativa de mostrar que a revolução de 1917 na Rússia não foi comunista, mas tão somente anti-imperialista. Os revolucionários comunistas não conseguiram, segundo ele, criar o socialismo a partir de um Estado operário. Inauguraram, por outro lado, a fase de transição do modo de produção asiático que poderia ser identificado com o capitalismo de Estado.
O que Haddad fez nesse livro foi uma crítica aos erros do sistema soviético não pelo que a ideologia socialista/comunista representava ou pelo que o regime soviético produziu de infame, mas para tentar isentar o socialismo como ideia e projeto de toda a desgraça humanitária cometida no século 20. Ele pretendia demonstrar teoricamente que o socialismo jamais foi realizado mesmo na Rússia comunista e na União Soviética. Ou seja, o socialismo falhou porque não foi socialista de verdade.
Por analogia, não seria forçado pensar que a sua presidência representaria para o PT e para a ideologia que orienta a sua luta uma correção de rumo que os comunistas não conseguiram realizar a tempo de evitar a queda da União Soviética. Haddad e seu partido têm hoje uma chance que os comunistas russos não tiveram ou deixaram escapar com a abertura promovida por Mikhail Gorbachev.
Uma vez no comando do Poder Executivo federal, Haddad provavelmente fará o que Lula não tinha condições intelectuais de fazer e que o seu partido, o PT, não conseguiu realizar por inteiro: controlar o Estado de uma maneira mais profissional e ideológica a partir de seu conhecimento teórico sobre o socialismo e com base na experiência (erros e acertos) de sua gestão na prefeitura de São Paulo e nos governos de Lula e Dilma.
Sendo Haddad um intelectual orgânico e político profissional com experiência no Poder Executivo, evitará cometer os erros de quando foi prefeito e os do seu partido, que está sedento por poder e vingança. O que os governos Lula e Dilma fizeram na Presidência será pequeno diante do que está por vir numa eventual presidência de Fernando Haddad, o marxista frankfurtiano.
Haddad se expressa bem e tem formação teórica, o que significa que ele consegue se passar por moderado mesmo sem sê-lo; consegue se passar como alguém preocupado com a democracia, com a justiça social, com a igualdade, omitindo o que entende por essas expressões e tornando palatável a agenda radical que está por trás desse projeto. É, portanto, um político perigoso pela capacidade de disfarçar aquilo que só se manifestará quando estiver no poder, e mesmo assim nem tudo será aparente no seu governo.
Num outro trecho daquele artigo para a Piauí, Haddad afirmou ter lido “praticamente todos os clássicos sobre a formação do Brasil” e que “conhecia teoricamente o nosso país”. Escreveu isso para realçar logo em seguida que “a experiência prática” que vivenciou no exercício da política era insubstituível. “Vivi na pele o que li nos livros.”
Pelo que escreveu, disse e tem dito, e com base na sua experiência e na do PT, Fernando Haddad é o candidato mais perigoso e que poderá infligir mais danos irreversíveis ao país caso seja eleito no próximo dia 7 de outubro.