A vitória de Jair Bolsonaro é simbólica por revelar empiricamente uma obviedade que só políticos oligarcas e de esquerda, festejados especialistas, comentaristas e jornalistas ignoravam ou preferiam ignorar: parcela significativa da sociedade brasileira ansiava por um representante que comungasse com ela uma agenda política, econômica e moral à direita, e que não tivesse medo de defendê-la.
Bolsonaro venceu porque atendeu a uma demanda reprimida da sociedade por um candidato de direita que oferecesse o pacote completo: ser e parecer honesto, corajoso, contundente, e defender uma agenda política baseada no combate à criminalidade, na defesa do direito à autodefesa, no respeito à propriedade privada, na liberdade de mercado (interna e externa), na ruptura com o presidencialismo de coalizão que corrói Presidência e Congresso, nas reformas necessárias para que o Estado deixe de atrapalhar a sociedade e que possa cumprir as suas atribuições constitucionais mais urgentes, como segurança pública.
Os desafios de Bolsonaro, agora, são usar o primeiro semestre de governo para realizar o que for possível dentro de tão pouco tempo, mas, principalmente, sinalizar com discursos e atos concretos que está disposto e empenhado a cumprir a agenda política e econômica com a qual se comprometeu com seus eleitores de primeira hora e com os que depositaram nele um voto de confiança para evitar que o PT voltasse ao poder.
A partir da posse, Bolsonaro terá uma janela temporal fundamental para corrigir as suas fragilidades individuais e ajustar o seu plano de governo, mostrar a que veio e garantir apoio por mais tempo. O presidente eleito certamente contará com a simpatia inicial de parte dos políticos que não o apoiou e da parcela da sociedade que optou por um voto não ideológico em seu adversário, Fernando Haddad (PT), mas terá de renovar constantemente a confiança nele depositada. Até porque, a partir de janeiro, Bolsonaro será vigiado e combatido a todo momento pela esquerda na política formal, na cultura, na televisão, no jornalismo, e terá no parlamento representantes de uma direita independente, que se elegeu sem o seu apoio, e que o apoiará quando for preciso e que o confrontará quando for necessário.
Se o presidente eleito agir da maneira que prometeu, as negociações com o Congresso serão provavelmente feitas às claras e assim a sociedade saberá o que se passa e poderá imputar sobre o presidente e os parlamentares as responsabilidades individuais em vez de, como sói acontecer, fazê-lo coletivamente na forma de expressões tão indignadas quanto vagas (“político é tudo igual” etc.) que beneficiam os políticos incompetentes e criminosos.
Se, por outro lado, Bolsonaro não fizer o que disse que faria, titubear nas decisões importantes, demonstrar qualquer tipo de tibieza na condução do Poder Executivo ou cometer erros na relação política com os parlamentares recém-eleitos para o Congresso, terá não só mais deputados e senadores contra ele, mas uma parte da sociedade que o apoiou apenas porque queria impedir a volta do PT e que sabe de sua força nas redes sociais e nas ruas para derrubar um presidente.
A vitória de Bolsonaro também representa um desafio para a direita conservadora, que deverá aprimorar o trabalho incipiente em curso, trabalhar para conquistar relevância intelectual no debate público e protagonismo acadêmico, e assim ter estofo e legitimidade para orientar as ideias e a práxis política não apenas do governo Bolsonaro, mas de todos os políticos que se elegeram se apresentando ao eleitor como sendo “de direita” ou conservadores, muitos dos quais sem fazer a menor ideia do que isso significa.
Para um conservador, Bolsonaro não pode nem deve ser visto como alguém que, sozinho, vai redimir o país. Quem deve fazê-lo somo nós, a sociedade, que descobrimos a nossa força e ideias conservadoras e liberais. Em varias declarações públicas, o próprio Bolsonaro se recusou a vestir a roupa de salvador da pátria, atitude prudente que, se não adotada, poderia alimentar as piores paixões que sempre existem em grupos de eleitores.
Bolsonaro é, portanto, como já escrevi aqui na coluna, parte de um processo maior de descoberta e tomada de posição à direita de parte da sociedade brasileira, e deve ser visto como tal, ou seja, não como o protagonista único do processo de transformação nem como o guia que conduzirá sozinho e de forma centralizada a mudança do país. Até porque vários foram os candidatos conservadores e liberais que se elegeram sem o seu apoio direto, Bolsonaro deve ser visto como mais um dos instrumentos políticos valiosos neste momento grave e delicado, e seu governo não pode, portanto, se sobrepor à sociedade que o elegeu.
Vencida a eleição, a partir de agora, intelectuais, analistas, comentaristas, jornalistas conservadores e liberais deverão assumir com independência a responsabilidade de colaborar com o novo governo, que venceu a disputa com uma agenda em parte conservadora, em parte liberal. Essa colaboração deve se dar com orientações, sugestões, proposições e críticas para que o governo Bolsonaro – ele, sua equipe e base aliada – encontre no debate público uma fundamentação qualificada para aprimorar os seus acertos e corrigir os seus equívocos.
A presidência de Bolsonaro também será – e deve ser – julgada pela forma como ele, sua equipe e base de apoio vão lidar com sugestões e avaliações contrárias formuladas por conservadores e liberais, mas também pela oposição de esquerda. Mais do que qualquer outro presidente, Bolsonaro será cobrado a respeitar as instituições e posições contrárias, francas e não criminosas, para que não seja acusado de repetir o comportamento persecutório que foi institucionalizado pelos petistas.
O PT, aliás, tentará fazer o tipo de oposição infame que sempre fez, mas não terá mais a vida fácil que tinha quando seus adversários eram tucanos, emebistas et caterva. Na Presidência e dentro do Congresso, os petistas enfrentarão uma oposição diferente daquela a que estavam acostumados, e que será formada por conservadores, liberais e bolsonaristas.
No exercício da Presidência, caso Bolsonaro aprimore e cumpra a sua agenda política e econômica de fazer com que o Estado brasileiro deixe de atrapalhar quem quer trabalhar, de abrir o país para o comércio internacional, de eliminar a burocracia nociva, de trabalhar com o Congresso para simplificar o sistema tributário, reduzir a carga tributária, aprovar uma reforma da Previdência, estimular a implementação de um federalismo de fato, enfrentar o déficit, reduzir os gastos e limitar o poder do Estado, restringir a atuação da Presidência às suas obrigações constitucionais, sem exacerbá-las, e, na área de segurança pública, dispor de tudo o que estiver ao alcance do Poder Executivo para ajudar os governadores a combater a violência descontrolada no estados, pavimentará o caminho para realizar um ótimo governo de feições conservadoras e liberais.
Por mais que muitos desgostem e neguem, o fato incontornável é que a eleição de Bolsonaro representa a vitória da democracia brasileira, que também é instrumento de alternância de poder entre visões políticas e ideológicas divergentes. Dessa vez, o país terá, finalmente, um presidente de direita.
Se Bolsonaro for bem-sucedido, consolidará a direita conservadora e não conservadora como alternativas políticas viáveis e confiáveis. Caso contrário, poderá comprometer todo um trabalho intelectual e de ativismo de ideias que o precede e do qual ele foi beneficiário, e prejudicar a formação em curso de uma melhor e mais qualificada elite política conservadora. Reside aqui a fundamental importância de os conservadores aconselharem e eventualmente criticarem as decisões políticas do novo governo.
Considerando os problemas urgentes do país e a oposição brutal que certamente será feita pelo PT e por seus partidos e organizações satélites, a tarefa do governo Bolsonaro e dos conservadores está longe de ser fácil, mas plenamente possível e necessária. Porque agora teremos, finalmente, no Poder Executivo federal um presidente – e, no Congresso, parlamentares – com uma agenda em parte conservadora, em parte liberal. É um novo país que agora se expressa na política.