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O desastre do socialismo e o dilema brasileiro

Foto: Juan Barreto/AFP (Foto: )

“O fracasso do socialismo britânico tem o mesmo significado para os Estados Unidos que tem para a Venezuela?, perguntou o jornalista William Buckley Jr. à então líder do Partido Conservador britânico, Margaret Thatcher, numa entrevista de 1977 para seu programa Firing Line.

Venezuela? Socialismo? Fracasso? A maioria dos que hoje se interessam por política e rejeitam as ideias socialistas, quanto mais jovem for, pode ter a impressão falsa de que tudo o que vem acontecendo no Brasil e no mundo é novidade. Não é. A história costuma se repetir se os erros do passado são esquecidos. Se o grande conselheiro do presente é ignorado, como evitar hoje os equívocos de ontem?

Em 1977, a Inglaterra vivia um caos econômico e social. O país era governado pelo primeiro-ministro Leonard James Callaghan, do Partido Trabalhista. Antes dele, o governo fora ocupado por seu colega de partido, Harold Wilson. Na entrevista a Buckley Jr., Thatcher contou para a audiência americana como o país deixou de ser a sociedade livre defendida pelos conservadores para se tornar a sociedade controlada pelo Estado defendida pelos trabalhistas.

Naquele momento, a líder dos Tories poderia até não saber que, dois anos mais tarde, ela mesma se tornaria a primeira-ministra do país, mas tinha certeza de que não poderia cometer os erros do passado. Thatcher sabia, sobretudo, que o socialismo era um erro e que somente um governo conservador salvaria o Reino Unido e o conduziria à prosperidade cultural, política e econômica. Por maiores que tenham sido os sacrifícios e sofrimentos do povo britânico, a decisão foi acertada. Foi graças aos 11 anos de seu governo que o país pôde se tornar aquilo que se tornou.

E a Venezuela? Em 1977, o país era liderado pelo presidente esquerdista Carlos Andrés Pérez. Eleito em 1973, Pérez estatizou as indústrias privadas do setor petrolífero. Durante o seu mandato, beneficiado economicamente pelo dinheiro oriundo da exportação de petróleo, ele gastou o que podia e o que não podia. Na política externa, apoiou e manteve relações próximas com lideranças de esquerda da América Latina e da Europa. Para certificar o seu compromisso ideológico, ele atuou como vice-presidente da Internacional Socialista (IS) entre 1976 e 1992. Junto com o presidente da IS, Willy Brandt, e o presidente da República Dominicana, José Francisco Peña Gómez, Pérez foi o responsável pela expansão das suas atividades na América Latina. No Brasil, o representante da IS era o PDT de Leonel Brizola, que venceu a disputa contra Fernando Henrique Cardoso em um encontro realizado em Viena, em 1979.

Nas eleições de 1978, porque não podia tentar a reeleição, Pérez não conseguiu eleger o seu sucessor em razão dos gastos excessivos e dos escândalos de corrupção que marcaram o seu governo. Ele voltaria ao poder em 1989, mas enfrentou grave crise econômica e fracassou na tentativa de implementar um plano de austeridade em razão da negociação com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Naquela década, quase todos os países da América latina estavam quebrados e tiveram de recorrer à ajuda financeira do FMI, instituição que as esquerdas da região amavam odiar.

O plano, porém, foi rejeitado pela população, que já sofria os efeitos da crise econômica. Para controlar os protestos, o governo de Pérez usou o Exército e centenas de pessoas foram mortas. À crise política juntou-se a crise social e econômica. Após enfrentar duas malfadadas tentativas de golpes de Estado em 1992 (a primeira delas comandada pelo tenente-coronel Hugo Chávez) e uma acusação na Corte Suprema de Justiça por irregularidades no uso da verba secreta da presidência, o presidente foi afastado do poder por meio de impeachment em 1993.

Mesmo tendo sido derrotado e preso na tentativa de golpe, Chávez aproveitou o momento delicado do país para iniciar a sua vida política. Assumiu o poder em 2002, repetiu os erros de Pérez e cometeu os seus próprios equívocos, mas numa dimensão muito maior. Usou e abusou do dinheiro do petróleo, expropriou e estatizou empresas estrangeiras, gastou excessivamente tudo o que podia e o que não podia, perseguiu, prendeu e matou adversários, destruiu o país social, econômica e politicamente.

Membro do Foro de São Paulo, fundado em 1990 por Lula e Fidel Castro, Chávez estabeleceu uma aliança com a esquerda latino-americana para transformar a região num território socialista. Ele só saiu do poder em 2013 porque morreu de câncer. Desde então, o país vive sob o regime socialista comandado por Nicolás Maduro, que vem terminando o serviço iniciado pelo seu antecessor e guru.

A atual situação calamitosa do país é resultado direto dos sucessivos governos socialistas. Nem isso é novidade na história mundial: todos os regimes, do soviético ao chinês, do cubano ao cambojano, destruíram suas economias, prenderam e mataram suas populações. O que o regime de Maduro está fazendo contra o povo venezuelano neste momento é um crime contra a humanidade, um extermínio deliberado da população a partir da miséria econômica que provoca fome e dos assassinatos a mando do governo. Eis a síntese da síntese da síntese na Venezuela: a crise provocada por um socialista (Rodríguez) foi utilizada por outro socialista (Chávez) para ascender ao poder e provocar nova crise que foi utilizada por outro socialista (Maduro) para ascender ao poder.

Quando Buckley Jr. pergunta sobre os fracassos do socialismo na Inglaterra e na Venezuela, ele manifesta a sua preocupação com os Estados Unidos. Naquele ano, o país tinha na presidência Jimmy Carter, do Partido Democrata, que governou de 1977 a 1981. Na política interna, Carter deixou o governo com inflação e desemprego acima de dois dígitos e PIB abaixo de um dígito; na política externa, concordo com Alexandre Borges, ele “foi o símbolo de uma América vacilante, fraca, insegura, depressiva e, no limite, suicida, que levou a um mundo caótico e à suprema humilhação com o sequestro de 52 americanos por 444 dias em Teerã”.

Assim como na Inglaterra foi preciso uma conservadora como Thatcher para colocar a casa em ordem, os Estados Unidos precisaram de um conservador como Ronald Reagan. Foi graças aos oito anos de seu governo (1981 a 1989) que o país pôde se tornar aquilo que se tornou.

O que isso tem a ver com o Brasil? Em 1977, o país vivia sob um regime militar que, tendo assumido o poder em 1964 para combater a ameaça comunista, instituiu o contrário de uma sociedade livre. Durante os 21 anos de presidentes militares, conduziu o país no caminho da servidão.

No ano da entrevista concedida por Thatcher a Buckley Jr., o presidente militar era o general Ernesto Geisel, um dos artífices do golpe de 1964. Seu governo enfrentou aumento da inflação, redução do crescimento econômico e agravamento de problemas sociais, principalmente pelo início da explosão da bomba-relógio construída por Delfim Netto, que foi ministro da Fazenda dos antecessores Costa e Silva (1967-1969) e Médici (1969-1973).

Delfim gastou o que podia e o que não podia e aumentou artificialmente a oferta de crédito, mecanismo décadas depois utilizado nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Não por acaso, chegou a ser cogitado para ser ministro de Lula e, depois, atuou como conselheiro informal de Dilma. Não por acaso, pesam contra ele acusações de corrupção: no passado, teria recebido propina de um banco francês que financiou a construção da usina de Tucuruí; no presente, teria recebido propina do consórcio que construiu a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Seu companheiro Lula já foi preso por corrupção; Delfim ainda não.

Afastado do governo militar por Geisel, Delfim retornou na presidência seguinte como ministro, primeiro da Agricultura e depois do Planejamento, do presidente João Figueiredo a tempo de colher o que plantou: a catástrofe econômica do início da década de 1980 e que perdurou até o início dos anos 1990.

De lá para cá, sofremos algumas crises econômicas provocadas pelos governos, a mais recente e grave provocada pela presidência de Dilma Rousseff cujos efeitos se arrastam até hoje. Os governos socialistas de Lula e de Dilma mostraram os perigos do socialismo que foram objeto da conversa entre Buckley Jr. e Thatcher décadas antes: um socialismo atualizado e inicialmente disfarçado pela gestão da economia e ajuda aos pobres, mas que se revelou tal como é no aparelhamento do Estado, no assalto aos cofres públicos, no uso da corrupção, na perseguição aos inimigos do partido, na tentativa de controlar a sociedade e colocar o país a serviço do seu projeto de poder.

Este ano, vocês sabem, teremos eleições. As escolhas erradas se voltarão contra nós. Será que, depois de tudo o que enfrentamos e sofremos, continuaremos a eleger políticos ideológicos, incompetentes, corruptos, mentirosos, ou apostaremos em candidatos conservadores e liberais com virtudes, ideias e propostas concretas? Deixaremos que o Estado continue a ser o grande protagonista da vida social, política e econômica? Será que, finalmente, aprenderemos com o passado ou repetiremos os equívocos de sempre?

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