A grande possibilidade da vitória do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, está provocando um tsunami de pavor na esquerda e no candidato do PT, Fernando Haddad, mas também no establishment cultural. As incontestáveis manifestações de apoio a Bolsonaro realizadas ontem no país só fizeram aumentar o temor por sua eleição no próximo domingo, dia 28.
Durante décadas, os integrantes do establishment cultural usaram e abusaram de seus espaços profissionais para militar em favor de uma agenda de esquerda. Porque a sociedade brasileira era incapaz de reconhecer essa militância em razão de desinteresse e ignorância, os artistas, músicos, compositores, escritores, dramaturgos, atores, diretores, roteiristas atuavam politicamente sem serem incomodados ou questionados pelos brasileiros que consumiam as suas produções.
Junto com a doutrinação na escola e na universidade, os jovens cresciam (e crescem) reproduzindo ideias, opiniões e posições políticas cujas origens desconheciam, mas que repetiam como se suas fossem porque todas estavam internalizadas em razão de anos de treinamento ideológico disfarçado de ensino e de produtos culturais.
Neste 2018, a situação é completamente diferente e uma parcela numerosa da sociedade acordou para a agenda oculta que disfarça a farsa ideológica. Alguns pais já têm exigido uma resposta de professores e diretores de colégios; estudantes têm filmado e exposto a ação nas salas de aula de militantes disfarçados de docentes, que abusam da sua posição para doutrinar em vez de ensinar. Doutrinar significa transmitir aos alunos uma versão parcial e ideológica de uma matéria como se fosse a única realidade disponível, a verdade inquestionável; ensinar significa apresentar aos alunos as teses divergentes formuladas por autores de espectros ideológicos distintos para que eles possam ter acesso a uma perspectiva mais ampla sobre um determinado assunto.
E porque a sociedade brasileira mudou e enfrenta neste momento um processo de amadurecimento político, a reação da intelligentsia tem sido ainda mais aguerrida e contundente. Seus integrantes não admitem que haja brasileiros que pensem de forma diversa e que reajam contra as ideias e opiniões que os artistas julgam ser as únicas que importam em quaisquer circunstâncias.
Os dois manifestos divulgados na semana passada, o primeiro só de escritores e o segundo, reunindo a fauna e a flora das artes, são a expressão coletiva de uma indignação individual que vem sendo exposta nas redes sociais, em ambientes sociais e profissionais, e até mesmo em mensagens privadas.
A leitura dos subscritores do “Manifesto do Livro: Escritores, editores, livreiros e trabalhadores da indústria editorial” permite entender como a esquerda tornou-se protagonista da cultura nacional. O documento virtual reúne desde esquerdistas brasileiros famosos como Luís Fernando Verissimo e Chico Buarque a estrangeiros como Noam Chomsky e David Harvey. Excertos do texto mostram o quão profundo é compromisso de seus assinantes com a ideologia:
“Haddad demonstrou compromisso claro com valores que são essenciais para a vida intelectual e literária de um país democrático: a promoção do letramento e da democratização da vida escolar, a defesa intransigente da liberdade de opinião e a busca pela igualdade de vozes no debate político, cultural e pedagógico. (…) Não podemos deixar de registrar, também, o risco de retrocessos que a candidatura opositora representa, ao apoiar projetos como o Escola sem Partido, que, a pretexto de instituir uma educação “neutra” – ficção em qualquer país do mundo -, visa a doutrinar os alunos com o que há de mais retrógrado e a introduzir a delação na atividade docente.”
Subscritor desse manifesto, o editor Luís Schwarcz enviou um e-mail pessoal para editores, autores e livreiros pedindo voto para Haddad com o objetivo de impedir a eleição de Bolsonaro. Um trecho da mensagem é digna de Cândido, protagonista de um dos textos mais famosos de Voltaire:
“Por acreditar na possibilidade de que um PT renovado se apresente numa nova gestão nacional, se comprometendo, por exemplo, com políticas de equilíbrio fiscal, sugiro a todos os colegas editores que prezam a liberdade de expressão que votem em Fernando Haddad, se posicionando contra o discurso difusamente preconceituoso, contra o autoritarismo e a intolerância, símbolos do outro polo que se anuncia como alternativa no segundo turno desta eleição. (…) Seu perfil moderado dentro do partido nos permite viver a esperança de que os inúmeros equívocos do PT, em várias áreas, não se repitam e que o partido volte aos compromissos que marcaram sua origem.”
Perante a ameaça de perder o protagonismo, o establishment cultural tenta agora se mobilizar para evitar a “onda conservadora” e a eleição de Bolsonaro, dois eventos que, se consumados, serão tanto uma contraposição de ideias na necessária batalha cultural ora em curso quanto a construção de uma alternativa política à direita da qual a provável eleição do candidato do PSL é parte de um processo que hoje parece ser irreversível, amplo, profundo e já em curso de mudança cultural, política e econômica.