Saindo da discussão do nazismo como expressão da extrema-direita, assunto do texto da semana passada, dedicarei esta coluna a explicar o sistema econômico nazista comparativamente ao modelo comunista a partir de exemplos de instrumentos de controle da economia próximos aos utilizados hoje em dia por governos democráticos. Meu intuito é demonstrar que tais similaridades na instrumentalização da economia por ambos os projetos de poder são elementos mais sólidos de análise de parte do problema porque revelam uma natureza política comum. Essa natureza comum, da qual também faz parte a dominação física e psicológica (assunto para outro texto), é o elemento mais fundamental a ser analisado, não a precária clivagem entre esquerda e direita.
Depois dos testes realizados e fracassos acumulados desde a revolução de 1917 na União Soviética, quando toda a propriedade privada foi expropriada pelos comunistas, nos anos 1930 o regime incorporou mecanismos legais para fazer o sistema funcionar de alguma maneira. Para isso, estabeleceu uma distinção entre propriedade privada e propriedade pessoal. Consagrado na Constituição de 1936, o instituto jurídico converteu todos os que não eram produtores privados em possuidores com direito à propriedade pessoal. A eles era permitido possuir ferramentas para trabalhar, ter um local para habitar, herdar bens, ter contas de poupança e investir em títulos da dívida pública. Nesse último caso, entretanto, o investimento era limitado; estava condicionado a determinados critérios e não havia qualquer proteção legal. O risco de ser expropriado pelo Estado era permanente. Assim como a possibilidade de perder tudo como punição em caso de condenação por crimes graves, crimes políticos e deserção das forças armadas. Nem era necessário ter cometido um crime, posto que era comum pessoas serem acusadas e condenadas por atos que não cometeram. Ou até mesmo serem mortas antes do falso processo legal.
Essa estrutura foi criada para evitar que florescesse uma economia de mercado. Não é sem razão que o regime soviético tributava pesadamente o lucro, medida que criava um incentivo contrário ao desejo de lucrar. A finalidade era manter sob o controle do governo os segmentos econômicos que, devido à sua atividade e prosperidade, eram capazes de acumular capital.
E o regime nazista? Inicialmente, em troca da ajuda dos empresários, o governo se apressou a dar provas da sua boa vontade ao quebrar um conjunto de monopólios estatais. Depois, porém, adotou normas que vinculavam a propriedade privada a uma obrigação para com o Estado. Era a versão nazista da função social da propriedade. O proprietário privado, por exemplo, foi transformado em fiel depositário que detinha apenas o direito de fruição dos bens. Embora algumas formas de propriedade privada tenham resistido e sobrevivido, eram inteiramente submetidas à vontade estatal, posto que o regime nazista exercia controles diversos sobre a economia e a propriedade.
Assim como na União Soviética, na Alemanha nazista a propriedade privada era um direito precário porque condicionada ao uso em benefício do projeto nazista. Apesar de todo o discurso de exaltação do espírito empreendedor alemão, o que valia era a vontade geral do Estado. A posição oficial poderia ser resumida na afirmação feita por Adolf Hitler num congresso do partido realizado em 1937: o Estado interviria sempre que os empresários agissem em desacordo com os objetivos do regime.
Algumas medidas de controle da economia adotadas pelo regime nazista foram a limitação da circulação de capitais dentro e fora da Alemanha, a determinação de quais setores deveriam receber investimentos privados, a proibição de uso da propriedade pelos seus proprietários como bem quisessem, a expropriação dos bens dos judeus e dos lavradores (não judeus) considerados incompetentes (segundo os critérios do governo) ou que não fossem politicamente confiáveis, a imposição de um limite de até 6% para obtenção de lucros e dividendos (o que ultrapassasse esse porcentual tinha de ser reinvestido ou entregue ao Estado).
No que se refere à tributação, os governos dos dois regimes impuseram impostos diretos e indiretos sobre o consumo, sobre os ganhos ocasionais e sobre uma parte do que sobrava dos rendimentos. Sob o regime nazista, os impostos foram mantidos nos mesmos patamares elevados da época da depressão, mas, em relação ao Produto Nacional Bruto (PNB), o porcentual quase dobrou, passando de 12,5% para 23,1% num período de dez anos (de 1930 a 1940).
No regime comunista soviético, o imposto sobre a produção chegou a representar 59% do orçamento do Estado em 1934. Nesse mesmo ano, embora os impostos diretos fossem de apenas 6%, o governo obrigava a todos a depositarem em poupanças aquela parte da renda que eventualmente sobrasse. Para forçar o seu cumprimento, a sobra era deduzida diretamente do ganho mensal. E somente com autorização do Estado era permitido fazer o levantamento do valor depositado e utilizá-lo. O valor total dos depósitos era, então, usado pelo governo soviético para cobrir despesas correntes e financiar investimentos.
O governo nazista também se valeu de mecanismo similar para usar o dinheiro da poupança na reorganização militar do país, que sofria os reflexos da Primeira Guerra. Para potencializar o volume de recursos, apelou à propaganda patriótica a fim de convencer os alemães acerca da “obrigação e sensatez de poupar”, recomendação que o próprio governo não cumpria.
Intervir na economia e violar os direitos de propriedade era uma estratégia dos dois regimes para drenar os recursos para o governo e assim atingir os seus objetivos políticos. Para serem bem-sucedidos nesse intento, comunistas e nazistas tonificaram os poderes coercitivos do Estado e subjugaram a iniciativa privada. As consequências foram catastróficas. Em graus distintos, até hoje a Rússia, países do leste europeu e parte da Alemanha sofrem os efeitos nefastos daquele período sob o comunismo e o nazismo.
Você que não se interessa pelo assunto deve estar se perguntando: qual a importância disso para a sua vida aqui no Brasil? Por que é importante conhecer o que aconteceu na Alemanha nazista e na União Soviética comunista? Explico: saber o que aconteceu nos fornece elementos para perceber quando políticos e governos, embora com estética e linguagem distintas daqueles projetos de poder, propõem medidas de natureza similar (embora em diferentes escalas) para controlar ou orientar as nossas vidas mediante, por exemplo, intervenções na economia.
Com um adicional: se no passado era fácil identificá-lo e denunciá-lo, o intervencionismo atual é ainda mais eficiente e perverso porque não se apresenta para a sociedade como um mecanismo extremo de domínio do poder político sobre a sociedade. Sem o tom radical do nazismo e do comunismo – e muitas vezes de maneira indireta ou mesmo oculta –, as intervenções assumem aparências externas distintas e são justificadas com expressões ideológicas tais como “combater a desigualdade econômica”, “garantir o bem-estar da sociedade”, “lutar pelo fim das injustiças”.
Tenha isso em mente a cada proposta formulada pelos poderes Executivo e Legislativo e a cada decisão tomada pelo Poder Judiciário. Se é verdade que não vivemos sob um regime nazista ou comunista, não há medidas políticas negativas que não sejam respaldadas por ideias ruins ou autoritárias. Principalmente as que nos dizem representar e que são adotadas para o nosso próprio bem.
Leituras recomendadas:
Política-econômica do comunismo soviético
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