Interessante: a um brasileiro que nunca saiu do país, ou nem sequer de sua cidade, é dado conhecer detalhes de sedes de poder de países como Inglaterra e Estados Unidos, mas não do Brasil. Porque Brasília é longe e inóspita, no máximo, ele terá visto pela tevê ou em fotos partes do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. Não conseguirá, entretanto, conhecer as intimidades dos três poderes federais a partir de seus ambientes internos. Muito menos compreenderá os mecanismos do poder político e o que acontece nos seus bastidores.
Enquanto naqueles países é farta a produção artística sobre a política em filmes, séries e documentários, no Brasil quase nada se faz nesse âmbito. Quando se faz, entretanto, na maioria dos casos cria-se uma caricatura com base na exposição seletiva do que de pior existe na política. E mesmo as vicissitudes do poder político são mostradas de forma pouco inteligente e rasa.
Isso talvez explique o sucesso no Brasil de séries como House of Cards e The Crown, cuja segunda temporada estreou no Netflix na quinta-feira passada. Ambas retratam ambientes culturais e políticos muito distintos do nosso e o fazem de forma artisticamente grandiosa, mesmo quando exibem as entranhas supuradas da política e a maldade que permeia tal dimensão da vida social.
Faça o teste: pergunte às pessoas que estão à sua volta se elas conhecem tão bem os espaços de poder do Brasil quanto os dos estrangeiros. É estranho constatar que eu próprio conheço cada canto da Casa Branca e dos aposentos onde o presidente americano reside durante a presidência. Já vi cada canto do número 11 da Downing Street, sede do governo britânico e residência oficial do primeiro-ministro inglês. Da mesma forma, conheço a Casa do Parlamento e a Casa dos Lordes e já vi vários ambientes do Palácio de Buckingham, residência oficial da monarquia britânica.
Por outro lado, não conheço nada do Palácio do Planalto, sede do governo federal, a não ser os espaços onde são realizadas coletivas de imprensa. Ignoro também como é o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, a não ser a sua entrada que jornalistas costumam exibir. E só conheço a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e o STF porque lá estive pessoalmente.
Assim como tínhamos no país uma enorme e evidente demanda reprimida por livros de autores conservadores e liberais, lacuna esta que editoras pequenas, médias e grandes têm preenchido gradualmente, parece-me haver um mercado inexplorado para filmes, séries e novelas que retratem a política brasileira como há anos o fazem tão bem os ingleses (The Prime Minister, The Young Mr. Pitt, Left, Right and Centre, Disraeli: Portrait of a Romantic, House of Cards, Yes, Minister, The New Statesman, The Gathering Storm, Into the Storm, A Rainha, A Dama de Ferro, The Crown) e os americanos (Mr. Smith Goes to Washington, All the King’s Men, The West Wing, Todos os Homens do Presidente, Bulworth, Wag the Dog, Nixon, The Contender, The American President, John Adams, Lincoln, House of Cards). Um indício do que digo foi o sucesso de bilheteria do filme Polícia Federal – A Lei é para Todos.
Se nos Estados Unidos e na Inglaterra a política é tema recorrente da literatura, teatro, cinema e televisão, e isso ajuda a criar uma relação de proximidade com o tema, aqui no Brasil o alheamento em relação ao assunto mostra que o universo político pouco interessa a quem trabalha no ramo artístico.
Porque tão rica de histórias e de personagens, não encontro outra palavra que não ignorância para definir a indiferença de produtores, roteiristas e diretores em relação à política brasileira como assunto de filmes, séries e novelas. Ou, junto com a ignorância, talvez haja a percepção de que política seja um assunto menor, que não vale a pena ser retratado no plano ficcional.
Num cenário cada vez mais sombrio para o futuro das emissoras de tevê aberta e de pobreza de ideias no cinema brasileiro, o universo da política pode ser um ótimo assunto à espera de talentos que lhe deem vida nas telas.
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