Empacada na Câmara dos Deputados, a chamada reforma política vai virando lenda. É claro, nunca podemos duvidar da capacidade dos parlamentares de fazerem o que quiserem, ainda mais quando é ruim para o país, mesmo sem tempo e contra todas as probabilidades.
Mas, considerando que uma eventual reforma teria de estar aprovada dentro de um mês, até os primeiros dias de outubro, e que todos os sinais indicam que não exista o consenso ou a maioria necessária para a aprovação de qualquer medida, aumentam as apostas de que nada vai mudar na legislação eleitoral.
O raciocínio dos deputados é simples. No começo das discussões, o desafio lançado foi:
“Nobres colegas, temos de fazer uma reforma da legislação sem alterar a realidade das coisas.”
“Essa ideia é boa, Excelência, mudar para não mudar, não é isso?”
“Isso, vamos mudar as leis, mas no fim, temos de garantir que a gente vá continuar aqui, combinado?”
E assim os deputados se lançaram na tarefa de mudar uma regra aqui, outra ali; ideias maiúsculas, como o distritão e o fundo público para financiar as campanhas. No fundo, as novas regras garantiriam que aqueles que hoje já são deputados continuassem sendo.
Assim, cumpria-se uma dupla função: os deputados poderiam ostentar o discurso de que as regras haviam mudado, enquanto nada mudaria de fato na composição das forças políticas dominantes do Congresso. Estava cumprido o desafio de mudar para não mudar.
Mas alguns perceberam que poderiam surgir armadilhas. Afinal, nem eles confiam na sinceridade dos colegas. E, diante de cada proposta de mudar a lei sem mudar a política, os deputados se perguntavam se aquilo ia dar certo mesmo.
“O mais importante é garantir que a gente vai continuar aqui, você garante?”
Mas quem é que pode garantir? Então surgiram aqueles que entenderam que no distritão seria possível um parlamentar se eleger com ainda menos votos, e não seria difícil romper o bloqueio dos partidos dominantes, já que a cláusula de barreira é incompatível com esse modelo.
Sem muita justificativa, surgiu um acordo confuso sugerindo que o distritão fosse uma transição para outro modelo, o distrital misto. A transição é arriscada e não faz sentido. O burburinho começou nos corredores:
“Para quê mesmo aprovar essa reforma?”
Os defensores do modelo distrital misto, então, surgiram com teses de redução de custos e aproximação dos políticos com as bases. Alguns tremeram na base diante dessa ideia. Outros perguntaram como é que seriam demarcados os distritos.
“Bom, a gente traça uma linha aqui, aqui e aqui, os territórios podem ser divididos em partes ‘socialmente’ equivalentes.”
“Meu Deus, que conversa difícil. Só digo uma coisa: se passar uma linha dividindo os meus eleitores, alguém vai se ver comigo.”
“Calma, calma, tendo tempo, a gente divide os distritos para dar certo para todo mundo.”
“Você acredita nisso mesmo?”
E assim, sem muito alarde, os deputados foram se convencendo de que, se não é para mudar nada, então é melhor que não se mude nada. Deixa as regras como estão, e cada um que se vire para continuar aqui.
Como se diz, “os que forem favoráveis, permaneçam como estão. Aprovado!”
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