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Incansável defensor da liberdade de expressão e um dos mais influentes críticos do marxismo contemporâneo, da estética pós-moderna e das políticas identitárias progressistas, Jordan Peterson compartilhou, em entrevista recente, suas percepções sobre a pandemia do novo coronavírus e a resposta da humanidade a essa crise. Na avaliação do psicólogo e autor best-seller, o medo injustificado incutido em uma população ingênua e alheia aos fatos científicos precipitou a sociedade ocidental a reagir mimetizando soluções totalitárias incompatíveis com o modo de vida de pessoas livres.
Neste artigo de estreia na Gazeta do Povo, jornal dedicado à edificação de um país com mais liberdade, prosperidade e segurança, destacamos algumas falas do professor canadense que retratam um mundo assustado, manipulado e ignorante, na contramão desses valores.
Peterson observa que a reação à pandemia foi exagerada e irrefletida:
“nos precipitamos a imitar uma sociedade totalitária”, “ainda não debelamos estes absurdos, muito disso é motivado por medo e desconhecimento”.
Uma sociedade totalitária se caracteriza pela concentração de poder das suas autoridades, pelo aumento de controle governamental nas relações privadas e pela restrição à oposição ao Estado e suas políticas públicas. E de fato, durante a pandemia, governos incharam (à base de dívidas e impressão de moeda), políticos legislaram por decreto e as liberdades individuais foram atropeladas, tudo isso com o beneplácito do judiciário e da imprensa. Em democracias saudáveis, mídia e justiça atuam como forças de fiscalização e proteção do indivíduo frente aos excessos do Estado – na pandemia, essa lógica se perdeu e não faltaram jornalistas, promotores e magistrados endossando uma inédita supressão de direitos ancorada em teses pseudocientíficas ou, no mínimo, muito questionáveis.
Mas questionar também não estava (não está!) permitido, e tão preocupante quanto as restrições excessivas e prolongadas à circulação de pessoas são as limitações à circulação de ideias, levadas ao estado da arte pelas grandes plataformas de internet e pelos tribunais. A remoção de conteúdos informativos, a censura de perfis divergentes e a patrulha ideológica a vozes dissonantes demonstram que, na pandemia, a quarentena física veio acompanhada do lockdown mental. Como bem pontuou Peterson sobre o free speech:
“é preciso haver diálogo contínuo entre pessoas de temperamentos diferentes para que possamos manter a nau do Estado rumo a um destino que está em contínuo movimento. Por isso a liberdade de expressão é tão necessária; não é mais um direito, é o direito. Em última análise, nenhum de nós sabe o que está acontecendo, porque o futuro é realmente diferente do passado, então nós temos que falar sobre o que fazer o tempo todo”.
Mas uma vez silenciado o questionamento, erros tendem a ser cometidos em uníssono pelas lideranças de turno.E como sabemos, pela natureza da sua atividade, políticos tendem a se preocupar mais com o politicamente correto do que com o (simplesmente) correto. Não à toa, o professor Peterson, internacionalmente requisitado por seus valiosos insights, nos revela:
“Tive conversas com conselheiros de governo de primeiro escalão, que me disseram sem rodeios que nenhuma das políticas sobre a COVID no último ano foi orientada pela ciência. É tudo pesquisa de opinião” – e aqui estamos tratando do mundo desenvolvido, onde abundam estatísticas confiáveis que permitem aos tomadoresde decisão fazerem escolhas municiados dos dados mais completos e atualizados. Ainda assim, Peterson relata que prevalecem “a covardia e a incompetência” de políticos que “delegaram sua responsabilidade a especialistas” e à indústria farmacêutica, os novos “árbitros de políticas públicas” durante a crise sanitária. O evidente conflito de interesses, associado ao fracasso das medidas draconianas para contenção do vírus, levanta a questão da credibilidade da informação veiculada ao grande público. Sobre determinados cânones sanitários que impactaram as liberdades e a qualidade de vida do cidadão, Peterson faz a seguinte observação:
“Não estou convencido de que a evidência é cientificamente confiável, certamente é no mínimo duvidosa. Outro dia li um artigo sugerindo que para prevenir a transmissão de um caso de COVID você precisa isolar mil pessoas. Como isso pode ser justificável? Especialmente dado que a taxa de mortalidade da COVID é na verdade bem baixa, a não ser que você tenha um problema de saúde pré-existente ou idade avançada.” – para ilustrar em números o lastro factual do argumento de Peterson, podemos citar o estudo global mais abrangente sobre a letalidade da cepa original da COVID-19, publicado em outubro de 2020, num boletim oficial da Organização Mundial da Saúde. Esse trabalho foi capitaneado pelo imunologista e catedrático da Universidade de Stanford, dr. John Ioannidis, à época um dos 10 cientistas mais citados no mundo. A conclusão do estudo é de que a taxa global de letalidade por infecção pelo novo coronavírus (cepa original) era de 0,23%. Isso significa que, a cada 10.000 pacientes de COVID-19, em média 23 iriam a óbito. Mas a mortalidade diminuía drasticamente em pessoas abaixo de 70 anos: 0,05% dos pacientes até 69 anos morriam ao contrair o novo vírus – em números absolutos, a cada 10.000 infectados, 05 óbitos. Essa taxa de letalidade por infecção é muito menor do que as estimativas iniciais para a COVID-19, projetadas na casa de 4%. Aqui no Brasil, após a análise dos dados de 133 cidades pelo país, com uma ampla amostra de 24.995 pacientes, o estudo concluiu que a letalidade por infeção da COVID-19 em território nacional era de 0,27% na população geral e 0,09% na população abaixo de 70 anos, ou seja, 9 mortes a cada 10.000 enfermos até 69 anos. Pra efeito de comparação, nos países de alta renda, a letalidade média da pneumonia na população geral é de 0,20% e a da gripe sazonal é de 0,13%.
Como livre pensador, cientista e consultor de renome internacional, Peterson é conhecedor tanto dos fatos sobre a nova doença quanto dos círculos de poder que guiaram a sociedade durante a pandemia; e a provocação que ele faz a uma humanidade que já suportou tantas pestes, pragas e guerras é a seguinte:
“Houve uma mudança estrutural nas nossas necessidades físicas imediatas, por ser a COVID genuinamente muito perigosa, ou houve um sinal da nossa absoluta deficiência estrutural em face de um desafio existencial moderado?” Fazendo jus à sua retórica ponderada, ele sugere: “Talvez seja um pouco dos dois”.