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Caio Coppolla

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Machado de Assis, agora negro, será mais lido?

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Comprovando a vocação nacional para uma produção acadêmica de baixo impacto científico e intelectual, a Faculdade Zumbi dos Palmares lançou a ação “Machado de Assis real”, “para que todas as gerações reconheçam a pessoa genial e negra que ele foi” (duas características do escritor mestiço que já imaginávamos de domínio público).

Na interpretação peculiar da referida militância universitária, uma das fotos icônicas do autor é “preconceituosa”, pois não reflete a correta pigmentação da sua pele. O retrato, então, foi recriado com a tez mais escura, reforçando sua negritude e reparando o tal “racismo na literatura”.

Em seu comunicado oficial, a faculdade lacrou e rimou: “Machado de Assis foi embranquecido para ser reconhecido”. Ou seja, agindo com dolo, gerações de editores se prestaram a reprimir sua verdadeira identidade racial. Abaixo, ambas as imagens, original e reconstituída, para ilustrar a improvável tese:

 

Ao contrário de seu famoso protagonista, Machado de Assis é um “autor defunto” e não um “defunto autor”. Sua obra fala por si só – e faz troça dessa iniciativa revisionista calcada na vitimização. Como grande expoente do Realismo na literatura brasileira, Machado era preciso (e por vezes irônico) no relato dos fatos. Já o juízo de valor sobre eles é por conta do leitor.

Isso fica explícito nestes trechos de “O Vergalho”, capítulo LXVIII do opus magnum machadiano, “Memórias póstumas de Brás Cubas”:

Era um preto que vergalhava outro na praça.

Parei, olhei… Justos céus! Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, – o que meu pai libertara alguns anos antes… perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele.

 – É, sim. É um vadio e um bêbado muito grande.

Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas, – transmitindo-as a outro. Eu, em criança, montava-o; ele gemia e sofria. Agora, porém, que era livre, dispunha de si mesmo, dos braços, das pernas, podia trabalhar, folgar, dormir, desagrilhoado da antiga condição, agora é que ele se desbancava: comprou um escravo, e ia-lhe pagando, com alto juro, as quantias que de mim recebera. Vejam as sutilezas do maroto!

Narração vs. narrativa

A obra citada é de 1881. Machado de Assis era mestiço, neto de escravos alforriados e abolicionista. Nem por isso deixou de retratar a realidade que se colocava complexa diante de seus olhos: negros libertos escravizando e açoitando negros cativos. Se, por um lado, a narração d’O Vergalho põe em xeque uma interpretação maniqueísta da sociedade escravocrata, por outro demonstra que seu autor não se rendia às narrativas políticas mais convenientes à sua causa.

Assim, independente e senhor de sua pena, escreveu as Memórias Póstumas de Brás Cubas; já a Faculdade Zumbi dos Palmares, enviesada e vassala do nós-contra-eles, promove a “vitimização póstuma de Machado de Assis”.

Num mundo por demais superficial, é lamentável que uma instituição de ensino confira tamanho protagonismo à cor de pele do maior escritor brasileiro. Tomara que agora, devidamente endossado pela baixa academia como o negro que sempre foi, Machado de Assis seja, pelo menos, mais lido.

Seria uma ironia póstuma.

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