Sem o apoio da velha imprensa – acobertando, contemporizando, desinformando e até mesmo incentivando a censura seletiva – um magistrado jamais conseguiria atropelar a Constituição e abusar da sua autoridade como tem feito o senhor Alexandre de Moraes, ministro do STF alcunhado de xerife por um de seus pares, tamanha a sua inclinação para o autoritarismo.
Semana passada, jornalistas desdenhosos da liberdade de expressão alheia silenciaram sobre o aniversário de 3 anos do bastardo inquérito das fakenews, procedimento persecutório inconstitucional que, segundo o Ministério Público, extrapola a competência do STF e viola regras elementares do devido processo legal. Desde a sua instauração, Alexandre de Moraes – personagem jurídica versátil, que reúne em si (concomitantemente!) as figuras de vítima, investigador, acusador e juiz do processo – já determinou uma série de medidas despóticas de caráter inegavelmente casuísta, destacando-se pela afronta ao direito posto: a exclusão de perfis críticos aos ministros nas redes sociais, a censura a matérias da imprensa que implicavam o ex-presidente do tribunal, e a prisão de políticos e jornalistas por supostos crimes de opinião. Essas arbitrariedades não encontram precedentes no país desde a redemocratização; também não encontram resistência no establishment midiático, muito mais empenhado em lutar contra o bolsonarismo do que a favor da liberdade de expressão.
Na última sexta-feira, 18 de março, o xerife supremo decidiu, monocraticamente, bloquear o Telegram, um aplicativo de mensagens instalado em mais de 60% dos smartphones do país, utilizado por dezenas de milhões brasileiros – inclusive para serviços de utilidade pública, que vão desde a mobilização da defesa civil até a cobertura de guerras pela imprensa especializada. A suspensão das atividades da empresa visava, primordialmente, obrigar a plataforma a deletar uma postagem do Presidente da República sobre vulnerabilidades nas urnas eletrônicas, e excluir o canal de um jornalista crítico ao STF. A pequenez do escopo judicial, agravada pelo contraste com o impacto social da medida, escancara o comportamento inconsequente e radical de um magistrado mimado pelo poder da própria toga. Mas é ainda pior: a decisão é arbitrária.
O bloqueio do Telegram carece de sustentação jurídica legal, doutrinária e jurisprudencial. A propósito, a ordem draconiana de Alexandre de Moraes é diametralmente oposta ao entendimento de todos os ministros do STF que já se manifestaram sobre a matéria. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5527 e na Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e Rosa Weber declararam, expressamente, a inconstitucionalidade do bloqueio de aplicativos de mensagem por motivos que não estejam relacionados à proteção de dados dos usuários, nos termos do Marco Civil da Internet [arts. 11 e 12]. Esses votos datam de maio de 2020.
O assunto já estaria pacificado por decisão colegiada do tribunal, não fosse por um pedido de vista de Alexandre de Moraes, que interrompeu o julgamento das ações. A cronologia e a coincidência dos fatos despertam curiosidade: teria o ministro xerife agido de má-fé e de caso pensado? A decisão contra o Telegram revelou que Alexandre de Moraes já tinha juízo formado sobre a legalidade do bloqueio de aplicativos de mensagem; por que, então, ele se furtaria ao dever de consignar seu voto formalizando essa posição? Assusta a hipótese de que, ao perceber que o plenário do STF estava prestes a decidir favoravelmente à liberdade de expressão, Alexandre de Moraes tenha impedido a conclusão do julgamento para não perder o direito de violar o direito... é só uma hipótese, claro.
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