Com mandado de prisão decretado, o ex-presidente peruano, Alan García, atirou contra a própria cabeça e faleceu na manhã desta quarta-feira. O político era acusado de receber propinas da construtora Odebrecht e foi denunciado em acordo de delação premiada – agregue-se mais uma nota ao registro das vergonhas nacionais: somos exportadores de corrupção (e dominamos a técnica com invejável expertise).
Quem é vítima?
O suicídio é o oxímoro do crime, posto que funde, no mesmo indivíduo, agressor e vítima. Daí a empatia por aquele que, num ato extremado, tira sua própria vida. Mas o caso Alan García é sui generis pois extrapola a tragédia pessoal. Ao se matar, o ex-presidente deixou milhares e milhares carentes de justiça: o povo peruano vítima da corrupção.
No Estado democrático de direito, a pena tem múltiplas funções: dissuadir o crime, prevenir sua reiteração, punir o transgressor da lei, oferecer retribuição social e ressocializar o agente criminoso. O político suicida esbulhou a sociedade peruana da plena realização desses objetivos, especialmente os mais básicos: a punição e a retribuição.
Punição e Retribuição
O egoísmo do ex-presidente fica patente na escolha da própria punição. Colocando-se acima da lei, que determinou a restrição das suas liberdades, ele preferiu a morte autoinfligida. Não é o primeiro criminoso, muito menos o primeiro narcisista, a trilhar este caminho. Se o herói dá a vida por uma causa, o vilão abre mão dela por uma causalidade.
A morte pelas próprias mãos também impossibilita a retribuição: a compensação moral às vítimas (e à sociedade como um todo) pelo crime praticado. Segundo as teorias simpáticas ao conceito de “contrato social”, abdicamos de fazer justiça com as próprias mãos contando com a proteção e a intermediação do Estado na solução de conflitos. Confiamos a essa entidade, que detém o monopólio da força, a condenação daqueles que forem injustos, desleais e maldosos. Assim, ficamos pacificados e tocamos a vida adiante.
No caso do ex-presidente peruano, embora soe absurdo, a autopunição capital foi branda. Afinal, em seu juízo pessoal, ele preferiu morrer e se ver livre da falta de liberdade. Por tabela, restou frustrada a expectativa social de uma justa retribuição pelos malfeitos cometidos. Em síntese: ele merecia a cadeia, mas dela se livrou.
Ao se suicidar, o corrupto Alan García privou a sociedade da verdadeira justiça e deixou este mundo cometendo (mais) um crime egoísta. Coerente com sua biografia.
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