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Da coluna Caixa Zero, publicada nesta quarta-feira, na Gazeta do Povo:

Dizem que a primeira vítima na guerra é a verdade. O mesmo vale para as eleições. Seja por causa da cabeça quente (de quem vê o risco de perder a disputa) ou da falta de preparo (de quem compra as balelas alheias), o debate fica tremendamente prejudicado em função das mentiras e balelas espalhadas por aí. Para contribuir para o debate público antes da votação de 26 de outubro, vale lembrar uma lista elaborada pelo grande Carl Sagan.

Em seu “O mundo assombrado pelos demônios”, Sagan montou uma lista de 20 falácias usadas em discussões. Entendendo como elas funcionam, você poderá se precaver de dois modos. Poderá perceber quando alguém estiver usando um truque retórico para enganar os outros; e poderá evitar você mesmo de cair em tentação.

Veja algumas das principais falácias e suas aplicações em eleições (a lista completa está no blog Caixa zero, no site da Gazeta do Povo):

1-      Ad hominem. É quando você desqualifica a ideia com base na pessoa que falou. “Se o Reinaldo Azevedo falou isso, tem que ser mentira”. O que vale é a ideia, o argumento. Não quem diz.

2-      Argumento de autoridade. É o contrário: acreditar em algo simplesmente porque alguém disse: “Foi o Arnaldo Jabor que falou.”

3-      Argumento das consequências adversas. Defender que é preciso criar medo de algo mesmo que se saiba que aquilo é improvável. O PT dizendo que alguém vai acabar com o Bolsa Família é um exemplo clássico.

4-      Apelo à ignorância. A afirmação de que qualquer coisa que não provou ser falsa deve ser verdade, e vice-versa. No caso da política, por exemplo, pode ser: “Não há provas de que tal político roubou, ou ele ainda não foi condenado, portanto é honesto.” Na formulação de Sagan, a ausência de evidência não é evidência de ausência.

5-      Alegação especial, frequentemente para salvar uma proposição em profunda dificuldade teórica. Por exemplo: “Tal partido não pratica corrupção, você é que não entende como funciona Brasília”.

6-      Petição de princípio, também chamada de supor a resposta. Por exemplo: ”É preciso reduzir a maioridade penal para impedir os crimes de adolescentes”. Tomar isso como verdade sem ver se essa estratégia reduz os crimes é um erro.

7-       Seleção das observações, também chamada de enumeração das circunstâncias favoráveis. No caso eleitoral, estamos recheados de exemplos de candidatos que só falam do que fizeram e se esquecem de dizer o que não fizeram.

8-      Estatística dos números pequenos. Falácia aparentada com a seleção das observações. No caso eleitoral, pode ser por exemplo o sujeito que diz que não conhece ninguém que irá votar em Fulano. Como podem as pesquisas dizerem que ele está tão bem?

9-      Compreensão errônea da natureza da estatística (o exemplo de Sagan é um clássico: “O presidente Dwight Eisenhower expressando espanto e apreensão ao descobrir que metade de todos os norte-americanos têm inteligência abaixo da média”. Aplicando a eleições, podemos ver muita gente falando que não acredita em pesquisas porque se ouve pouca gente (há outros motivos para descrer de pesquisas, mas não esse).

10-   Incoerência. Por exemplo: leve a sério as denúncias contra um candidato, mas diga que as denúncias contra o seu candidato são invenção da mídia ou que não são tão graves assim.

11-   Non sequitur . expressão latina que significa “não se segue”. Por exemplo: candidatas mulheres que dizem que farão isso ou aquilo simplesmente por serem mulheres. Ou candidatos que são filhos ou netos de políticos usando isso como argumento político.

12-   Post hoc, ergo propter hoc. Expressão latina que significa “aconteceu após um fato, logo foi por ele causado”. Por exemplo: “Antes do PT ninguém falava em mensalão no governo federal, portanto foi o Lula que inventou isso.”

13-   Pergunta sem sentido. Por exemplo: como é possível acabar com a corrupção se ela sempre existe?

14-   Exclusão de meio-termo, ou dicotomia falsa. Comum nas redes sociais, por exemplo, com formulações do tipo: “Ou você vota no Beltrano, ou é um idiota.”

15-   Curto prazo versus longo prazo. É um subconjunto da exclusão do meio-termo. Por exemplo: “Não é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe?” Quando se sabe que muita gente não tem como se virar por conta própria sem algum tipo de ajuda, nem que seja temporária.

16-   Declive escorregadio, relacionado à exclusão do meio-termo. Por exemplo: “Ficam dando Bolsa Família para pessoal, vão criar uma geração de vagabundos”.

17-   Confusão de correlação e causa. Por exemplo: “A Dilma vai bem no Nordeste porque os nordestinos não sabem votar”. Se a candidata vai bem lá, algum motivo há.

18-   Espantalho. Criar uma caricatura do adversário distorcendo as ideias dele para que elas pareçam ridículas. Nem precisa dar exemplos, né?

19-   Evidência suprimida, ou meia verdade. Exemplo: “O PSDB queria privatizar a Petrobras, tanto que queria mudar o nome para Petrobrax”. O partido nunca tentou vender a empresa, e o indício é no mínimo fraco.

20-   Palavras equívocas. Cria-se um nome novo para dizer que algo mudou. A “nova política” se encaixa aqui como uma luva. Ninguém nunca soube explicar o que é. Muito menos Marina Silva. Aparentemente, era “política” mesmo, mas com uma palavrinha na frente para enfeite.

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