A juíza encarregada de decidir a quem cabia a culpa pelo 29 de abril produziu um texto triste. Patrícia Bergonse escolheu ver apenas um lado do problema: o lado de quem tinha à disposição balas de borracha, bombas de gás e cassetetes. E que não só tudo isso à disposição como de tudo usou. E fartamente.
A juíza viu 213 pessoas saírem feridas e descobriu que a culpa era exclusivamente delas. Quem mandou provocar a polícia? Quem mandou que tentaram violar a linha de segurança à Assembleia Legislativa? A polícia atuou apenas proporcionalmente, e não houve exageros. Estranho, muito estranho ver 213 feridos e achar que não houve exageros.
A ação proporcional da polícia incluiu, diz o próprio relato da juíza, granadas de gás. Contra pessoas desarmadas. Tiros de borracha. Contra pessoas de mãos nuas. Cassetetes e spray de pimenta contra quem não tinha como reagir, a não ser expondo o próprio corpo às pancadas. Por pouco não morreu alguém.
Proporcional?
Só pode dizer que a ação da PM foi proporcional quem não esteve na Nossa Senhora da Salete. Quem não viu que mesmo com os manifestantes já contidos e a uma distância segura, os policiais seguiam atirando loucamente, numa fúria injustificada, contra a população. A juíza não viu isso? Estranho, porque a imprensa do mundo inteiro viu.
As imagens do 29 de abril correram o mundo não porque mostravam a proporcionalidade da ação da PM, mas porque revelavam a tremenda truculência com que os manifestantes foram tratados. A juíza poderia ter visto tudo se tivesse ligado a tevê em qualquer canal local ou em qualquer lugar do mundo, caso estivesse de férias. Pelo jeito, não viu.
É claro que houve tentativa dos manifestantes de romper o cerco policial à Assembleia. E que havia uma determinação judicial garantindo o isolamento do Legislativo. E de certo ponto de vista, extremamente legalista e abstrato, pode-se defender que a culpa foi meramente de quem não se curvou a isso.
Baixem a cabeça
Mas, convenhamos: não é assim que funciona uma democracia. A população tem todo o direito de contestar medidas autoritárias. Se fosse respeitar as decisões judiciais favoráveis a ele, Mandela jamais teria derrubado o Apartheid. Gandhi jamais teria tornado a Índia independente. E o Absolutismo seguiria vigorando na França – e no mundo.
É claro que vivemos em uma democracia. Mas de fato naquele momento do 29 de abril parecia haver uma verdadeira conspiração entre os três Poderes do Paraná para enfrentar aqueles que não tinham o mesmo poder. O Legislativo e o Executivo, sabe-se, são praticamente a mesma coisa na província.
Os deputados são meros funcionários do governador, como regra. Obedecem sempre, e mansamente, desde que recebam obras e verbas.
E o Judiciário insistiu em não ver que a população tinha todo o direito de tentar evitar uma votação de cartas marcadas em que os próprios deputados denunciavam a tentativa de compra de votos pelo governo. E que retirava benefícios importantes do funcionalismo para corrigir a irresponsabilidade de um governador que jogou no lixo as contas públicas em nome da reeleição.
A população deveria, segundo a primeira instância judicial, ter assistido a tudo isso passivamente. Bovinamente. De cabeça baixa, ou no máximo emitindo insípidos gritos de ordem que, do outro lado das paredes de mármore da Assembleia, não incomodam ninguém.
Quem é a população para contestar os deputados? Quem é o povo para contestar uma ordem judicial.? Quem faz isso está justificando tiros de borracha e granadas. A culpa, mais uma vez, foi da vítima.
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