O levantamento do Paraná Pesquisas feito na manifestação de domingo, na tentativa de mostrar quem eram e o que queriam as pessoas que foram às ruas, captou muita informação interessante (vou voltar a isso em outros posts). Mas não há dúvida de que a informação mais preocupante é a quantidade assustadora de pessoas que dizem aceitar uma “intervenção militar provisória” ou uma ditadura militar – com esse nome mesmo, sem disfarces.
Segundo o levantamento, são 45% que dizem aceitar a tal intervenção militar, número que provavelmente é inchado pela lorota que circula na internet dizendo que isso seria democrático, com previsão constitucional. Não existe essa possibilidade. “Intervenção militar” é mero eufemismo para golpe, nada mais. Mas mesmo quando se retira essa máscara e fala-se diretamente em golpe e ditadura, ainda são 15% a favor.
É claro que, do ponto de vista racional, podemos ficar tranquilos porque as instituições hoje parecem mais sólidas e não se vê em volta nenhum maluco na cúpula das forças armadas falando em golpe. O cenário internacional também mudou muito nas últimas décadas e, com o fim da guerra fria, não há mais incentivo internacional para ditaduras no continente – muito pelo contrário. Além do que, o país participa de várias instituições internacionais importantes que têm cláusulas democráticas.
Em resumo, a chance de um golpe ocorrer hoje no Brasil é quase zero. Mas nem por isso deixa de ser preocupante ver tanta gente defendendo – em público! – o fim da democracia. Mesmo tendo visto o desastre que o país viveu nas duas ditaduras do século 20: desastre humano, moral, político e, inclusive, econômico, com a última ditadura nos levando à pior inflação da história recente do país e a décadas de estagnação.
Mas, afinal, por que ainda há quem aceite ditadura, ainda que seja da boca para fora? Difícil responder sem novas pesquisas. Mas em geral quem recusa a democracia está dizendo, no fundo, que não aceita viver numa situação em que tenha de ouvir os outros. O pedido de uma ditadura “militar” mostra um gosto por três coisas: conservadorismo, hierarquia e repressão. Como se a democracia significasse uma “bagunça” que precisasse ser remediada à base de um poder central com capacidade de dar cacete em quem insiste em fugir de uma certa ordem.
O gosto pela ditadura significa uma negação da política. Da política no bom sentido. A política, a democracia, significam que nós acreditamos sermos capazes de nos autogovernar, de negociar saídas. Que acreditamos na possibilidade de vivermos juntos sem precisar de alguém externo que nos dê ordens unidas. A democracia é o gosto pela vida em comum o respeito pelo outro, a crença na humanidade. A ditadura é a descrença de tudo isso: só pode pedir ditadura quem acha que o outro, a seu lado, é alguém horroroso que precisa ser controlado com a ameaça de cadeia, tortura e morte.
O risco de ditadura caiu hoje no Brasil, graças a Deus. Mas isso se deve em grande medida às condições externas a nosso controle. Porque muitos de nós, mostra essa pesquisa, continuamos sem acreditar na democracia.
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