A birra entre os petistas e a classe média surge já na origem do partido, nos anos 1970 e 1980. Lula e outros “companheiros” fundaram o PT durante o processo de redemocratização com a ideia de representar o operariado. Lula havia comandado greves históricas no ABC e assim virara líder político. Na base do partido, vários intelectuais davam o suporte teórico com base na teoria da luta de classes.
A classe média, vista por muitos no partido como sendo cúmplice nos sofrimentos do povo mais pobres (inclusive por ter, em parte, apoiado a ditadura militar que reprimia os sindicatos e as manifestações) era um dos alvos das campanhas dos petistas. Nas primeiras eleições, Lula e seus pares usavam um slogan parecido com o do atual PSTU. O número de urna do PT era o 3, e o slogan dizia: “Vote no 3 que o resto é burguês”.
Muito tempo se passou até que o PT chegasse ao poder, em 2002. E nessas mais de duas décadas, a crítica à classe média foi amenizada. Até porque boa parte dos votos do partido passou a vir justamente dos setores médios urbanos, principalmente em cidades como São Paulo, Porto Alegre e Fortaleza. Setores do partido, porém, mantiveram a posição de crítica à classe média, que até hoje domina o discurso de intelectuais ligados à legenda.
Mas quando assumiu o governo, no primeiro mandato de Lula, o partido se viu de situação de escolher as políticas públicas que adotaria. E, desde cedo, deu preferência aos pobres e miseráveis, que efetivamente vinham sendo historicamente relegados a segundo plano por outros governos (quem não se lembra do discurso de que primeiro era preciso esperar que o bolo crescesse, para depois dividi-lo?).
O PT apostou no Fome Zero, depois no Bolsa Família, fez uma política de valorização do salário mínimo e ganhou a simpatia de milhões de brasileiros que não tinham nada – ou tinham muito pouco. Por outro lado, como se sabe, governar é fazer escolhas. E se deu ênfase na melhoria de condições dos mais pobres, o partido acabou não dando a mesma ênfase na melhoria de condição da classe média.
Não que a situação não tenha melhorado. A manutenção da estabilidade da economia ajudou e muito. Programas como o Ciência sem Fronteiras beneficiam gente de várias faixas de renda. A política de estímulo à indústria, com redução de IPI, facilitou a compra de bens materiais. O Minha Casa, Minha Vida, facilitou a compra de casas para quem ganha até R$ 5 mil.
Mas não há como negar que parte da pauta da classe média ficou parada. E cientistas políticos veem também um lado mais complicado da relação. O PT, segundo Renato Perissinoto, da UFPR, por exemplo, quebrou três “monopólios” importantes da classe média: o do carro, o do aeroporto e o do diploma. Quem nunca ouviu gente dizendo que aeroporto virou rodoviária? E houve até comentarista na tevê que disse que a culpa do trânsito era por darem carros para o pessoal mais pobre.
Assim, ao não se ver tão contemplada e ao ver certos privilégios anteriores diminuírem (por exemplo, com a obtenção de direitos trabalhistas por parte dos empregados domésticos), a classe média teria se sentido deixada de lado pelo governo.
Ou seja: trata-se de um preconceito de mão dupla, que vai do PT (principalmente nos anos iniciais) em relação à “burguesia”, e que hoje se traduz em um preconceito da classe média contra o PT por ser um partido que dá preferência aos pobres. E daí surgem os mitos do cidadão vagabundo que não trabalha e vive só do Bolsa Família (com rendimento médio de R$ 159 por mês…), entre outros.
Perissinoto aposta que até mesmo o discurso antipetista baseado na crítica à corrupção vem daí. “Não é a corrupção que separa o PT de outras legandas. Mas isso é usado para dar vazão a essa insatisfação”, diz. Adriano Codato, da UFPR e Fábia Berlatto vão mais longe e dizem que isso traduz um “racismo de classe”.
Agora, resta a Dilma tentar afagar a classe média e conquistá-la. Primeiro, para evitar que seu governo seja marcado por protestos e críticas azedas demais. Segundo, para tentar fazer o seu sucessor, daqui a quatro anos. O que não vai ser fácil.
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