A guerra de Donald Trump não é com a imprensa. Claro que é chocante ver um presidente americano dizendo que jornalistas estão as pessoas mais desonestas do planeta. E foi o que ele disse em um encontro com a CIA. (Ou pelo menos é o que os jornais disseram que ele falou, mas como saber se esses veículos desonestos não mentiram também sobre isso?)
A guerra de Trump é contra os fatos. É contra qualquer pessoa, instituição ou método que possa provar que ele está mentindo. A imprensa é uma dessas instituições: mostrou, por exemplo, que era mentiroso o número de pessoas que, segundo o presidente, estavam presentes à sua posse na semana passada.
Trump não aceita ser desmentido. Também não aceita estar em segundo lugar. Tem que estar sempre certo, e sempre ser o melhor. Por isso não poderia haver menos gente na sua posse do que havia na posse de Obama. (É um mistério que ele não tenha contestado ainda os dados para provar que teve mais votos do que Obama.)
Trump é um verocida. Não aceita fatos, não aceita verdades. Se um fato desmente alguma das premissas básicas de sua crença, esse fato não serve – e portanto deve ser demonstrado como mentira. Para as pessoas que ainda acreditam na verdade, Trump fica parecendo um mentiroso, quando na verdade foi você que ainda não se acostumou à nova realidade de que a verdade é ditada por ele.
O Washington Post, esse jornal desonesto que fez a reportagem mais importante do século 20 e tirou da presidência outro republicano que mentiu para o mundo, Richard Nixon, deu ao secretário de imprensa de Trump, Sean Spicer, Quatro Pinóquios por sua primeira coletiva. “Queríamos poder dar cinco”, disse o verificador de fatos do jornal, Glenn Kessler.
A enxurrada de mentiras ditas por Spicer foi tão grande que outra assessora de Trump, Kellyane Conway, teve de sair com uma nova desculpa no domingo. Disse ela que Spicer não havia dito mentiras – apenas mencionou “fatos alternativos”. É impressionante a velocidade com que os trompistas criam sua novilíngua.
Um professor de Estatística da Umniversidade da Pensilânia, lembrando que o governo é um dos maiores provedores de informações e dados para a comunidade acadêmica, perguntou: “Eles vão simplesmente inventar os fatos? Parece que eles são capazes de fazer isso.” Ao que parece, já estão fazendo.
Mas a guerra não é contra a imprensa. É contra os fatos. Não foi à toa que Trump contestou a outra grande fonte de informações fora de seu controle, a academia. Segundo ele, o aquecimento global não é um fato verificável – desconfiando assim de todos os cientistas relevantes e das próprias agências estatais americanas.
Para Trump, a Nasa está mentindo. As revistas todas de ciência. E as universidades. Coincidentemente, o diretor de orçamento de Trump questionou recentemente se o país deveria dar qualquer tipo de financiamento para pesquisa básica. A ciência vista como um peso, uma inutilidade – eis o próximo passo.
“Eu venho travando uma guerra com a mídia”, disse Donald Trump no encontro da CIA. Até nisso ele mentiu. O alvo não é a imprensa. São todos os que não se dobram às verdades criadas por ele.
Siga o blog no Twitter.
Curta a página do Caixa Zero no Facebook.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS