Dizem que fanático é o sujeito que não muda de ideia e não muda de assunto. A olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, tem mostrado que os fanáticos políticos estão em toda parte no Brasil atual. Tudo, absolutamente, vira motivo para debate.
O maior exemplo até aqui é o caso da judoca Rafaela Silva. A BBC fez um belo texto mostrando como cada um lia na vitória da lutadora, único ouro do país até o momento, aquilo em que já acredita.
Os que gostam do Exército e veem nas Forças Armadas uma espécie de reserva moral do país veem nela a militar; os que são contra as cotas e a favor da meritocracia destacam que, apesar de negra, ela nunca se beneficiou de políticas afirmativas.
Os que acreditam que é preciso dar chances mais igualitárias a todos lembram que ela é favelada. Os defensores do governo petista acharam um vídeo de anos atrás em que ela fazia campanha por Dilma – explicando que os programas do governo federal a tinham auxiliado.
Recentemente, vi que Rafaela também é gay – e obviamente isso também vira tema de discussão. Se a namorada dela ajuda na casa – mais um tema, sobre a nova família e sobre a solidariedade entre casais homoafetivos.
Mas não é só o caso de Rafaela. Os que odeiam Joanna Maranhão, a nadadora que acabou eliminada, xingam-na cruelmente. Um narrador, muito corretamente, pediu paciência e criticou os abusos. Não adianta: logo surgiram o que a chamam nos jornais de vitimista, esquerdista e hipócrita – arrastando a ideia de hipocrisia para toda a esquerda.
As feministas ressaltam que as mulheres têm tido melhor desempenho na delegação brasileira. As vitórias de Marta e companhia no futebol mostrariam que as mulheres também são mais esforçadas do que os homens ou algo assim.
Algumas dessas causas são justas – sempre é bom ressaltar por exemplo que minorias, que mulheres têm um bom desempenho, que não há mais lugar para uma sociedade machista ou que traga exclusão.
Mas a politização excessiva de tudo que acontece na olimpíada (e em todo o resto da sociedade) mostra o país dividido que somos hoje. É como se precisássemos o tempo todo de alguém nos reassegurando que nossos pontos de vista somos válidos.
E como aqueles crentes religiosos que veem lágrimas em estátuas ou imagens religiosas em janelas onde só há vidro – e mais nada – vemos em cada gesto, em cada prova, em cada atleta, um símbolo – onde o que há é um ser humano.
As mulheres no momento merecem aplauso na delegação brasileira. Mas se elas estão indo bem no Brasil, certamente há países em que os homens é que estão “lutando” melhor. Há atletas gays que se saem bem – mas o mesmo vale para heterossexuais.
Há militares que ganham provas – mas há muito mais civis. O atleta que ganhou não precisou de cotas? Mas também é verdade que se beneficiou de programas sociais. E uma coisa não elimina a outra. Uma verdade não é maior do que a outra.
Mas, principalmente, usar atletas para reforçar preconceitos – sobre a hipocrisia de milhões de pessoas, por exemplo, com base no comportamento de uma pessoa – é algo certamente a ser evitada. Ver em um ser humano a bandeira de um país já parece um desvio. Ver nele uma bandeira de uma causa pode até ser saudável, desde que não anulemos o que realmente está em jogo.
E o que está em jogo numa olimpíada é tão maior do que esquerda e direita, do que causas específicas, que sempre vale a pena lembrar. O que está em jogo é a superação dos limites do humano e uma união de todos em torno de um objetivo comum de tentarmos sermos melhores do que somos.
Não dá para transformarmos um jogo – e é isso que acontece, um jogo – em um teste de Rorschach em que cada um vê a solução para o mundo com base nas suas próprias e imutáveis convicções.
Tenha suas crenças. Mas use-as com moderação. E deixe um atleta ser só uma pessoa feliz. Não uma prova de nada. Só uma pessoa.
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