Da coluna Caixa Zero, publicada nesta quarta, na Gazeta do Povo:
Há oito anos a bancada ruralista vem impedindo a votação da PEC do trabalho escravo. Claro que o argumento dos deputados não poderia apelar para a tolerância com o abuso. Ainda mais em nome de ganhos econômicos. A plateia não aceitaria. Nem os ruralistas teriam como negar que ainda existem trabalhadores em condições degradantes, especialmente em áreas rurais, mantidos em algo muito parecido com a escravidão. Nos últimos anos, 42 mil trabalhadores em condição de escravidão foram libertados no Brasil.
O truque dos deputados não é novo. Usaram aquele que vem sendo o seu argumento favorito: o da insegurança jurídica. É a mesma coisa do Código Florestal. Lembram disso? Os donos de grandes fazendas diziam que era preciso reformar a legislação ambiental porque, do jeito que estava, ninguém podia plantar em segurança. Sempre havia o risco de um fiscal vir e acabar com tudo, com base em leis que, ao fim e ao cabo, iam contra a produção. Portanto, iam contra o bem do país. E era preciso derrubá-las (as leis e as árvores).
Agora, com o trabalho escravo, vem de novo a mesma saída. Os ruralistas dizem que não podem aprovar uma legislação como essa porque não há uma definição precisa de trabalho degradante. E que, portanto, qualquer fiscal poderia chegar lá, determinar que há escravidão com base em critérios subjetivos e pronto. Assim, do nada, o sujeito perderia a terra para a reforma agrária. Arbitrariedade, caos e ameaça da propriedade privada nos esperariam caso o projeto fosse aprovado.
Lógico que não é assim. Também é óbvio que, ao contrário do que andaram afirmando os ruralistas, ninguém seria punido com o confisco da propriedade só porque os beliches dos trabalhadores não têm a distância certa entre um e outro; ou porque os colchões não são bons; ou porque eles não têm copos descartáveis. O Código Penal deixa claro que é preciso haver configuração de trabalho degradante.
Nenhum dos 42 mil libertados desde 1995 estava só sobre um colchão ruim. Os casos são claramente de abuso. Gente sem acesso a água potável. Sem alimentação decente. Dormindo em barracas improvisadas no meio do mato. Trabalhando sem descanso algumas vezes até a morte. Não é a distância entre os beliches que a sociedade quer punir. Nem é isso que os ruralistas querem proteger…
Além disso, é evidente que não basta a opinião do fiscal. Se houver um juízo errado, o sujeito pode recorrer, inclusive à imprensa, inclusive ao Judiciário, para dizer que sua terra foi confiscada à toa. Ou os ruralistas não confiam mais no bom senso, nem confiam nos tribunais?
Os deputados dizem que não é fácil saber quando há trabalho escravo. Como assim? Parece haver algo muito errado quando os parlamentares acreditam que é preciso defender alguém que mantém seus trabalhadores em condições tão próximas da escravidão que o limite se torne tênue.
Na verdade, o que eles querem é realmente garantir um tipo de segurança. Aquele tipo de segurança jurídica que se chama, em bom português, certeza de impunidade.
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