A crítica do deputado Fernando Francischini (SD-PR) ao fato de a Universidade Federal do Paraná ter criado uma turma de Direito exclusiva para assentados da reforma agrária, quem diria, fez com que se ajudasse a divulgar essa iniciativa, ligada a um programa do governo federal.
Relembrando o caso: Francischini fez um pedido de informações à Reitoria da UFPR para saber se era verdade que a universidade havia criado uma turma exclusiva para o MST. O diretor do setor, professor Ricardo Marcelo Fonseca, respondeu que não – e ironizou a investida do deputado, dizendo que todos sabem da relação dele com a educação, numa sutil referência à repressão do dia 29 de abril.
Os seguidores de Francischini nas redes sociais (que não são poucos: o deputado tem mais de 500 mil curtidas em sua página de Facebook) se horrorizaram. “Não permita, Senhor”, disse uma internauta. As acusações ao governo e ao petismo foram várias, mas em geral têm relação com a ideia de que o governo estaria fomentando invasões e beneficiando o MST, tido por muitos que seguem a página como um movimento “terrorista”.
De outro lado, muita gente demonstrou solidariedade à UFPR. Especialmente entre os professores universitários e na Academia em geral, as críticas foram vistas como uma reprise da estratégia já conhecida de acusar o ensino superior de ter conexões escusas com a esquerda, de tentar doutrinar os alunos e, por meio deles, a sociedade.
Mas, afinal, a discussão também ajudou a tornar mais conhecida a ideia da turma para assentados. E de discutir um programa que, desde o princípio, no governo Fernando Henrique, tem a ideia de incentivar a inclusão social e educacional de populações historicamente sem acesso ao ensino superior.
Pronera
A turma de Direito para assentados é ligada ao Pronera, um programa de educação destinado a ir de mãos dadas com a reforma agrária. Lembrando: reforma agrária não é coisa de comunista. Vários países onde o capitalismo segue inquestionado e firme, como o Japão, passaram por esse processo. Trata-se apenas de reconhecer que terras improdutivas não são algo bom para o país e que é melhor garantir a produção redistribuindo o que está ocioso para quem ocupe.
(Por isso não faz o menor sentido acusar os sem-terra de “vagabundos” em oposição a “agricultores de verdade”, como fizeram os que perguntam por que a UFPR não criou uma turma para “agricultores de verdade”. Se o sujeito ganhou a terra, necessariamente tem que estar produzindo, ao contrário de quem perdeu a terra, e que necessariamente não estava produzindo.)
A reforma agrária também não é coisa do PT. No Brasil, já ocorreu nos governo Sarney, Collor, Itamar e FHC. Lula e Dilma nem a aprofundaram como tinham prometido. E dar condições aos assentados para que a reforma dê certo é justamente tentar garantir a produção e estimular o capitalismo, em certo sentido – garantir que essas pessoas sejam incluídas de fato na sociedade. Educação serve para isso, não?
A turma
A turma de Direito da UFPR é formada por 60 alunos. Nem todos são ligados ao MST. Alguns são. Não são mais sem-terra: são agricultores que produzem e querem estudar. Não é isso que se espera de alguém? Que trabalhe e tente melhorar de vida, inclusive para melhorar a vida dos seus filhos? E não é isso que se espera do Estado? Que dê condições para que isso aconteça?
O Supremo Tribunal Federal, junto com a maior parte dos teóricos de política contemporâneos, diz que o país pode e deve fazer isso. Discriminar positivamente. Ou seja: dar condições a quem nunca teve. Criar cotas para negros, que sofrem preconceito e vêm de famílias de escravos. Para alunos pobres, que podem ter tido uma formação mais deficiente. E para excluídos sociais. Sem-terra se incluem perfeitamente nisso: ou alguém acha que alguém com todas as chances do mundo fica debaixo de lona, na rodovia, por anos, para ganhar um quinhão de terra em que terá de trabalhar duro para ganhar algo?
Além de gente do MST, há gente na turma dos movimentos de vítimas de barragens, quilombolas e outros. Todos com o mesmo objetivo: estudar. Todos passando pela mesma seleção: o Enem.
O curso
Mas o que se aprende lá? Basicamente, o mesmo que no curso “regular” de Direito. São os mesmos professores, as mesmas disciplinas, o mesmo currículo. (Ironia: talvez Sergio Moro, professor da UFPR, venha a dar aula para a “turma do MST”).
Os professores que já deram aula acharam a turma boa e esforçada. E em tese não há qualquer doutrinação: aliás, pelo contrário, os alunos em geral já são bastante politizados antes de entrarem no curso, o que vai contra qualquer ideia de doutrinação.
Os professores não mudam em geral o conteúdo de suas aulas, embora possam adaptar algo para a realidade específica da turma. E para passar de ano ou se formar, as exigências são as mesmas. Nenhuma “facilidade” extra.
E embora os alunos possam ter ligações com movimentos e até andar de camiseta, boné e bandeira, ou o que mais, o que contará, no fim da história, é se eles aprenderam e se passarão nos exames. Nada mais.
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