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Atentados podem aprofundar divisão da nação francesa

MonclaireO cientista político Stéphane Monclaire, da Sorbonne, concedeu entrevista exclusiva para a Gazeta do Povo sobre a situação política na França pós-atentado. Ele falou de Paris, por telefone, e explicou a possibilidade de os atentados criarem uma divisão no país e de facilitarem a chegada ao poder da radical Marine Le Pen, da Front National. Veja abaixo:

Os fatos desta semana podem ter influência nas próximas eleições?
A eleição presidencial ainda está longe. Estamos em 2015 e a eleição presidencial é só daqui a dois anos e meio. Portanto, peso direto eu acredito que não. Mas esses eventos trágicos podem modificar os comportamentos eleitorais dos cidadãos, os graus de simpatia por alguns partidos. Os eventos atuais têm um duplo efeito sobre a população. Por um lado, existe a emoção coletiva, que é visível. Isso deve aumentar as convicções daqueles que são amantes da democracia, que são contra a islamofobia, a xenofobia. Mas por outro lado, como os matadores são de origem árabe e justificam os assassinatos em nome de Deus, alguns cidadãos que fazem amálgama entre esses cidadãos e o Islã. Isso pode também aumentar a islamofobia.

Quem sai ganhando com isso?
É provável que algumas pessoas vão ser ainda mais atraídas pela Front National [partido de extrema direita, comandado por Marien Le Pen]. Nós estamos numa crise econômica que já dura 40 anos, com desemprego estrutural altíssimo. Esta crise longa fragiliza a nação francesa, faz com que ela perca muitos reflexos de solidariedade, faz crescer o individualismo. E a nação francesa, para sobreviver, não precisa de discursos racistas, antissemitas, de islamofobia. Ontem [quarta, dia do atentado] parecia haver uma união do ponto de vista das emoções. Mas esta unidade é fictícia. É preciso haver um debate sobre como impedir isso de novo, esses atos violentos. Mas como fazer isso sem reduzir as garantias do Estado de Direito? Até do ponto de vista filosófico é difícil resolver isso.

Isso causa fissuras no país?
Essa situação toda acirra o jogo dos partidos, que tentam se diferenciar. E as brigas intrapartidárias também aumentam ainda mais isso. A falta de unidade nacional tem a ver com essa competição política, mas tem a ver também com a imprensa. A responsabilidade da imprensa não é pífia. Frente a problemas de desigualdade, desemprego, há uma nítida tendência de etnização. Inclusive na televisão pública já houve várias matérias que tentam denunciar tal e tal categoria em função de sua cor de pele, religião, como responsável por um problema. Os árabes são responsabilizados por muita coisa. Penso especialmente num jornalista, por exemplo, Éric Zemmour, autor de um livro que está há várias semanas entre os mais vendidos na França [O Suicídio Francês]. A tese dele é cientificamente nula, mas é difícil de demonstrar a falsidade dos números dele. E ao mesmo tempo ele é convidado para falar sobre isso na tevê o tempo todo. E ao mesmo tempo Michel Houllebecq, que não é um romancista de grande estilo, mas que lançou um livro fantástico, no sentido freudiano, é chamado a falar de um livro cheio de fantasmas sobre o Islã.

Como tratar isso?
Desde ontem os meios de comunicação cometem alguns erros importantes. Por exemplo, não há nada de errado em dar destaque à morte dos cartunistas, que eram conhecidos da população. Mas morreu também o policial que era encarregado de fazer a segurança do diretor de redação do Charlie Hebdo. Ele era de origem árabe, tinha nome árabe. Depois, na saída, eles mataram outro policial, que também era árabe, de origem árabe. Quer dizer: existem árabes que são parte da vida nacional, que integram a polícia nacional. Ao destacar um pouco mais isso, você mandaria uma mensagem a todos os burros da França que acham que essas pessoas não fazem parte da população. Da mesma maneira vejo os jornalistas criticarem de maneira insuficiente a decisão da Front National não participar da manifestação marcada para domingo. A Marine Le Pen diz que não foi convidada oficialmente. Mas é uma desculpa fácil e hipócrita. Você precisa de um convite para mostrar suas ideias? Mas o jornalista não conseguiu fazer boas perguntas para ela, para mostrar isso.

Isso dificulta a atuação de uma direita mais moderada, como a do ex-presidente Nicolas Sarkozy, possível candidato à presidência em 2018?
Sarkozy, hoje, disse que essa não é uma briga contra a democracia, que é uma briga pela civilização. É um vocabulário mais perto da Front National do que do discurso republicano. Porque a civilização é a mesma, estamos todos na mesma civilização. A resposta implícita no que ele disse é que a religião é que nos opõe a essas pessoas. Ele leva o discurso dele mais para a direita para evitar perder eleitores para a Front National. Sarkozy é prisioneiro da proximidade de ideias dos simpatizantes, dos militantes do seu partido com os militantes da Front National. Ele teme que o UMP [partido de Sarkozy] seja engolido pela Front National.

E isso pode ocorrer?

É possível, não numa eleição legislativa. Mas numa eleição nacional a candidata da Front National pode fazer uma boa votação e quem sabe ultrapassar o candidato de direita. As pesquisas hoje mostra os candidatos de esquerda sendo eliminados no primeiro turno. E quem passa para o segundo turno são a Le Pen e o candidato da UMP. Hoje, os eleitores de esquerda votariam na UMP numa situação dessas, para evitar a vitória de Marine Le Pen. Mas se ela conseguir ao longo dos próximos meses aumentar o peso eleitoral dela, ela pode ganhar. Não podemos descartar isso.

O que isso significaria, na sua opinião?
Isso é grave para os franceses, grave para a Europa e grave para o mundo. O partido dela é consideravelmente radical em questões políticas, econômicas e principalmente em questões de imigração. Pode cortar alocação de verbas para imigrantes, destinando dinheiro só para os franceses de nascimento, por exemplo. Pode mudar até a Constituição para permitir isso. É um grande problema não só do ponto de vista dos direitos humanos, mas também do ponto de vista econômico. A França ganha com essa população que vem de outros países, que trabalham, consomem e pagam impostos. É um problema para a Europa porque o programa da Front National é que a França saia da União Europeia. Sei que os programas nem sempre são escritos para serem cumpridos. Mas a interdependência da França com Alemanha, via União Europeia, e da França com a União Europeia, faz com que tirar a França da União Europeia seja sinônimo de empobrecer a França e de empobrecer a União Europeia. É importante lembrar que a União Europeia não nasceu de um sonho econômico liberal. Nasceu de uma vontade de suprimir os motivos de ódio, de luta entre a Alemanha e a França. Tornar os países interdependentes era a melhor maneira de assegurar a paz. E desde a criação da União Europeia não houve mais guerras. E tirar a França da União Europeia é destruir a União Europeia. E isso prejudica a paz no mundo.

O que seria necessário fazer?
Teria que haver um debate sobre como fortalecer o Estado de Direito e o amor à democracia, e sobre como ao mesmo tempo vigiar os fundamentalistas, impedir alguns loucos de fazer ataques criminosos. Isso necessita de debate, da participação dos partidos e da população. O momento é importante. A França e os franceses têm de aproveitar o momento para resolver problemas, e não para aumentar problemas. Mas fico pessimista quando vejo o comportamento da Front National e da imprensa.

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