Colaboração de Felippe Aníbal:
O ativista e diretor executivo do Grupo Dignidade, Toni Reis, publicou uma carta aberta ao apresentador Ratinho, que, nesta semana, causou polêmica ao gravar um vídeo em que, em tom de deboche, reclama que tem muito “viado” nas telenovelas da Rede Globo. Posteriormente, o apresentador – que é pai de Ratinho Jr, pré-candidato ao governo do Paraná – voltou atrás, publicando um novo vídeo, dizendo que o comentário não passava de “brincadeira”.
Em um texto longo, Toni Reis lembrou de outros episódios homofóbicos envolvendo o apresentador do SBT e destacou que, mesmo com a intenção de ser “brincalhão”, Ratinho “reforça os preconceitos e os estigmas que há contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais (LGBT+)”. O ativista argumenta, ainda, que o público LGBT+ está em todos os segmentos da sociedade, logo, devem ser retratados na dramaturgia. “Você acertou na análise, mas errou no tom”, sintetizou.
Veja, na íntegra, o texto publicado por Toni Reis:
Carta Aberta de Toni Reis ao Ratinho
Querido Ratinho,
Conheço bem você desde os anos 90 na CNT. Fui entrevistado em seu programa várias vezes. Também em seu programa na SBT, inclusive junto com o Bolsonaro. Sempre com muito respeito e humor. Você brincava sempre com o cameraman, falando para ele pegar a carteirinha do Grupo Dignidade. Será que tinha “viado” trabalhando no seu programa também?
No Brasil, quem quer prejudicar um homem ou menino o chama de “viado”. Muitos pais e mães desinformados falam “prefiro ter um filho morto a ter um filho ‘viado’”.
Você é um cara muito talentoso, carismático, inteligente, apresentador de televisão, empresário, humorista, radialista, político, ator… Um legítimo formador de opinião.
Mesmo com a intenção de ser brincalhão – você reforça os preconceitos e os estigmas que há contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais… (LGBTI+), veiculando nas mídias sociais o vídeo com o seguinte conteúdo comentando sobre as minisséries e novelas da Rede Globo:
“Você acha que tinha ‘viado’ naquele tempo? É muito ‘viado’: é ‘viado’ às seis da tarde, é ‘viado’ às oito da noite, é ‘viado’ às nove da noite, é ‘viado’ às dez da noite, é muito ‘viado’. Eu não sei o que está acontecendo, não tem tanto ‘viado’ assim. Ou tem? Será?”
Se você tivesse feito o mesmo comentário utilizando um termo com o mesmo teor pejorativo para falar sobre personagens negras, por exemplo, você já estaria respondendo por um crime. É aceitável usar dos meios de comunicação para chacotear estimados 10% da população brasileira que não contam com proteção jurídica específica contra esse tipo de injúria? Você pisou feio na bola.
Influenciar a opinião pública desta forma complicada contribui para perpetuar na sociedade brasileira a discriminação contra pessoas LGBTI+ que leva a situações como as a seguir:
Pesquisa nacional realizada sobre o ambiente escolar em 2015/2016 mostrou, entre outras coisas, que 73% dos/das estudantes LGBTI+ com entre 13 e 21 anos de idade foram agredidos/as verbalmente nas escolas; 36% foram agredidos/as fisicamente; e 60% se sentiam inseguros/as na escola no último ano por serem LGBTI+ (ABGLT/Grupo Dignidade/UFPR, 2016). E não é só na escola, continua no resto da vida: o site Quem a Homofobia Matou Hoje registra em média um assassinato de pessoas LGBTI+ por dia no Brasil, apenas por serem o que são – LGBTI+, liderando de maneira disparada o ranking mundial deste tipo de homicídio. Também há dados que mostram que o índice de suicídio entre essa população LGBTI+ é 8 vezes maior comparado com pessoas heterossexuais, em grande parte devido à rejeição, discriminação e violência psicológica e física sofridas pelo fato de ser LGBTI+.
E por que ter “muito viado” nos programas de televisão incomoda? Parafraseando Jung, quando Pedro fala de João, sei mais de Pedro que de João. Ou seja, “Espelho, espelho meu, existe alguém mais macho/“viado” do que eu?”
Citando Josie Conti, as projeções, constituem os comportamentos e pensamentos que são atribuídos ao outro, mas que, na verdade, são formulações nossas, das quais não gostamos ou as quais não aceitamos. Logo, é mais fácil pensar que o outro pensa e faz algo pouco correto ou ético, do que admitirmos que nós mesmos estamos preenchidos com aquele pensamento, desejo ou comportamento em si. Ou seja, quando o comportamento aparece no outro, nós nos permitimos falar sobre ele e criticá-lo, muitas vezes até ferozmente.
Só enxergamos aquilo que queremos ver.
Ratinho, a Rede Globo não inventou a homossexualidade, ela existe desde que o mundo é mundo. Acredite. Tinha gay/“viado” na idade da pedra, na Grécia, em Roma… Goethe falou que a homossexualidade é tão antiga quanto a humanidade.
A Rede Globo não coloca os “viados”/gays para incentivar a homossexualidade. Quem não está com sede não toma água, como já dizia meu irmão falecido.
A Rede Globo tem tido responsabilidade social com a cidadania LGBTI+ há alguns anos. Hoje tem LGBTI+ nos programas de jornalismo, de auditório, nas novelas: Malhação, Pega-Pega, Outro Lado do Paraíso, Entre Irmãs… e terá muito mais. Se há LGBTI+ na sociedade e na vida, estarão refletidos na ficção. De uma maneira ou outra, tem LGBTI+ em todas as famílias, todas as empresas, todas as TVs… estão em todos os lugares.
Você acertou na análise, mas errou no tom.
Ratinho não adianta reclamar. Nós “viados”/LGBTI+ não voltaremos para o armário, nem as mulheres para cozinha e nem os negros para senzala. “Aceita que dói menos, ou senta e chora”, como já dizia a poeta popular. No entanto, e contrariando a poeta, não precisa nos aceitar, respeitar-nos já está de bom tamanho.
Ratinho, não seria legal você, como formador de opinião, ajudar as pessoas a serem assumidas para serem felizes e serem elas mesmas, independente de serem LGBTI+, héteros ou assexuais?
Parabéns pelo seu posicionamento se retratando e pedindo respeito
Vamos juntos e juntas construir um Brasil como previu Rosa de Luxemburgo “um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.”
Toni Reis
Formado em Pedagogia pela Uninter e em Letras pela Universidade Federal do Paraná, Especialista em Sexualidade Humana, Mestre em Filosofia, Doutor e Pós-Doutor em Educação
Diretor Executivo do Grupo Dignidade
Presidente da Aliança Nacional LGBTI
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