Alguma coisa aconteceu entre o primeiro e o segundo mandatos de Beto Richa no governo do Paraná. Depois de ser reeleito em 2014, o governador deu uma guinada forte no estilo de administração do estado. E acabou fazendo um segundo governo bem diferente do que foi o primeiro. A principal mudança? O funcionalismo se tornou o adversário número um a ser combatido.
O primeiro mandato de Richa, conquistado em 2010, teve até um certo período de lua de mel com os servidores. O governador atendeu alguns pedidos históricos, como por exemplo o de dar um jeito de equiparar o salário dos professores ao de outras categorias com diploma superior. Embora tenha sido na base do truque (com incorporação de vales), o pessoal ficou mais ou menos satisfeito.
Para se ter ideia: em 2012, antes da guinada, Richa chegou a passar inativos que eram pagos com o dinheiro do mês a mês para o fundo previdenciário. Tudo parecia caminhar para uma relação amistosa entre as partes, apesar de questões pontuais e, claro, de uma inimizade histórica entre o tucano e os sindicatos dirigidos por cutistas. Mas, ao fim e ao cabo, Beto não queria briga. E foi levando.
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A guinada começou há exatos três anos. Beto sabia que as contas do estado estavam um horror e resolveu “importar” um São Judas Tadeu, um secretário da Fazenda das Causas Perdidas. Mauro Ricardo chegou antes da posse, com um aviso de seu antigo chefe, ACM Neto. Se seguisse a receita, Beto enfrentaria o inferno. E depois teria tudo em dia. O governador aceitou.
Até porque, no receituário a que ele está acostumado, a única solução parecia aquela. Austeridade. Porque o estado, até por frouxidão de seu próprio governo, estava à beira do colapso. Beto tinha se acostumado a gerir Curitiba – onde não faltava dinheiro para nada. E, no estado, foi levando do mesmo jeito. Quando viu, estava devendo as calças e mais um pouco.
A secretária anterior da Fazenda, Jozélia Nogueira, que caiu por sincericídio, admitiu em público: o governo devia mais de R$ 1,2 bilhão a fornecedores. E não sabia como pagar. A coisa chegou a ponto de em dezembro de 2014, (depois de uma eleição em que Beto jurou que as finanças do estado eram uma maravilha), o Executivo pedir penico a MP e TJ para pegar uns trocados e pagar o décimo terceiro.
Beto tinha quebrado o estado. Mauro Ricardo foi contratado para consertar a situação.
Enfrentando o caos com mais caos
As primeiras medidas do novo titular da Fazenda foram para aumentar a arrecadação. IPVA? Subiu. ICMS? Subiu. Não cobramos taxa de aposentados? Agora vamos cobrar. A Assembleia aprovou tudo com aquela comovente submissão que demonstra a todo governador.
Em fevereiro, com a nova legislatura, veio a ordem. Era hora de enfrentar o funcionalismo. Um pacote gigante de medidas foi à Assembleia. A gritaria foi imediata. O governo pôs no papel os piores pesadelos sindicais: fim de anuênios e quinquênios, dificuldades para conseguir qualquer licença que fosse e, o mais grave, um assalto à previdência pública.
O governo pedia para meter a mão em R$ 8 bilhões do fundo que vinha sendo construído. Os deputados, como sempre, topariam tudo. Enfiaram-se num camburão para votar. Com o plenário tomado, tentaram votar no restaurante. A multidão gritava: o delegado Francischini avisou que alguém ia morrer. A turba parecia lhe dar razão. “Retira ou não sai”, eram os gritos. Retira os projetos ou ninguém sai (vivo?) daqui.
Suspenderam a sessão. O governo retirou os projetos. Vitória dos servidores? Nada.
O dia do juízo
Dois meses depois, a calamidade. Dentro do plenário, os deputados, acuados e postos entre dois poderes que temiam (o governo, que lhes garante as benesses; e os servidores, irados), não sabiam a quem servir. Alguns, espertos, mudaram de lado. Foram para o povão. A maioria aquiesceu, achando que votar o novo projeto “amainado” da previdência não daria nada. Erro cruel.
Assim que começou a sessão, começou a pancadaria. A PM dificilmente poderia ser mais truculenta. Bombas. Balas de borracha. Gás de pimenta. Porrada.
“A bomba é lá fora, vamos votar“, disse Ademar Traiano, na mais célebre frase de submissão que um parlamentar já pronunciou. Se o governo quer, votemos. Ainda que o mundo se acabe. Cachorros atacam pessoas? Beto queria o dinheiro. Havia 213 feridos? Beto precisa do dinheiro.
Cálculo frio
A conta do governo não é difícil de entender. O estado tem mais ou menos 200 mil funcionários, além de inativos. A folha de aposentados cresce assustadoramente. E os gastos com pessoal custam quase metade do que o governo tem. Era ali que dava para cortar.
O corte afetaria a relação com os sindicatos e com os servidores. Mas ao comprar briga com 300 mil, o governo poderia sair do buraco em que havia se metido. E, no médio prazo, comprar popularidade com o dinheiro da aposentadoria – e com o que economizaria apertando o cinto alheio.
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Mauro Ricardo não poderia ser mais claro. Dizia que era um absurdo o governo ser um mero gestor de RH e que era preciso investir pelo menos 5%. Ou seja: menos servidores, mais obras. Beto achou um chefe da Casa Civil, Valdir Rossoni, que topou comprar a briga. E foi em frente.
O que seria preciso, além das medidas concretas, era um meio de convencer a população que, nessa história, o governo era o bem. E que alguém, portanto, era o mal a ser enfrentado.
A demonização
Beto Richa sempre se elegeu com um discurso antipetista. Vice de Taniguchi, disse no dia da eleição que o PFL e seu PTB impediram uma “onda vermelha” de chegar a Curitiba. Nisso, é coerente. Agora, era hora de ligar o funcionalismo ao eixo do mal: CUT, PT, MST.
Antes mesmo de se eleger governador, Richa já fazia das suas. Num protesto de professores, disse que eram apenas umas “laranjas podres“. No primeiro erro confesso da carreira, disse que queria policiais sem instrução porque obedeciam melhor.
O mesmo tipo de argumento, o das laranjas podres, lhe serviu no malfadado 29 de abril. Aquilo não eram professores (quantas vezes Traiano pronunciaria essa frase sobre manifestantes nas galerias da Assembleia?), eram arruaceiros. Eram encrenqueiros. Black blocs!
Nunca se provou nada, apesar de uma ação matreira que tentou ligar pedras da calçada a um possível arsenal de manifestantes; apesar do “soldado groselha”, que se pintou de rosa (tomando cuidado para não manchar a farda), para dizer que tinha sido atingido por objetos voadores; apesar de um suposto armamento contido num carrinho de bebê – que no fim das contas só levava pamonha.
Confrontos
O confronto não terminou na praça pública. Os professores fizeram greve. Eram uns insensíveis. Se pedem reposição (e o governo está indo para dois anos sem reajustar salários) é porque não compreendem a situação do estado. Se reclamam, é porque são petistas.
Beto Richa nunca foi grande orador. No máximo, é esforçado. Decora bordões costurados para ele por seus rasputins, como Deonilson Roldo e Ezequias Moreira. O bordão da vez, rumo a 2018, é que os funcionários já tiveram “aumentos expressivos” mas que ainda “apresentam demandas infinitas e insaciáveis“. Soa bem. Ele sabe disso.
Para a população, vende-se a imagem de que o governador enfrentou marajás (e o governo chegou a descaradamente fraudar o contracheque dos professores para criar essa falsa impressão) que drenavam os cofres públicos – o que, além de tudo, desvia a atenção dos verdadeiros drenos, como a Quadro Negro, a Publicano, a Voldemort.
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Reforçando a ideia, partiu-se para uma espécie de gramscismo reverso. A guerra cultural, travada em parceria com os evangélicos e com Rafael Greca, agora é para provar que muitos professores são lobos em pele de cordeiro. maus elementos, subversivos, interessados apenas em doutrinar as criancinhas contra o governo e os bons princípios.
E assim Beto se torna partidário do Escola sem Partido.
Sucesso?
Em certo sentido, a virada de 2014 foi um sucesso para Richa. O governador conseguiu o dinheiro da previdência, além de várias outras fontes de receita, e foi conseguindo remendar os buracos que abrira. Com o dinheiro dos aposentados, quitou os fornecedores. Agora, com o que não deu de inflação ao professorado, anuncia viadutos aqui e ali, a um ano da eleição.
E o que é melhor: não precisou tocar nos R$ 172 milhões que ainda gasta com comissionados; nos mais de R$ 200 milhões que investe anualmente em publicidade; nem parar de torrar dinheiro com um helicóptero que paga até mesmo para que fique no chão.
E assim como em 2014 dizia que o melhor estava por vir (e não veio), agora diz que passará ao próximo governante um estado que é uma beleza. Ah, se ele pudesse ter um terceiro mandato…
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