A imagem mais famosa da última ditadura brasileira (1964-85) talvez seja a de um jornalista assassinado dentro de uma instituição estatal. Vladimir Herzog passou para a história como a mais grosseira farsa do regime dos generais, que tentaram fingir que ele se suicidou.
A relação das ditaduras com a imprensa é sempre marcada pela tentativa de calar jornais e jornalistas. Alguns veículos cedem voluntariamente. Outros já estão desde antes do governo com os poderosos, por alinhamento ideológico. Mas há sempre os inconvenientes que insistem em dar notícia.
Os bolsonaristas vêm mostrando nos últimos tempos como será sua relação com a imprensa caso os brasileiros cometam mesmo a temeridade de eleger o capitão do PSL para a Presidência. O próprio Jair Bolsonaro (PSL) faz ameaças aos jornais, mas não é só ele: seus apoiadores põem em risco a própria integridade física de repórteres.
Neste domingo, falando para seus militantes na Avenida Paulista, por vídeo, Bolsonaro disse que a Folha de S.Paulo, um dos mais tradicionais e importantes veículos do país, é “fake news”. E ameaçou em seguida usar o poder para sufocar o jornal.
“A Folha de S.Paulo é a maior fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo. Imprensa vendida, meus pêsames”, disse o candidato.
Usar verbas publicitárias (que vêm de impostos de todos os cidadãos) para beneficiar os jornais que se alinham e para prejudicar os jornais sérios é a atitude número um do manual do ditador em relação à imprensa. Curiosamente, os jornais mal repercutiram a grave fala, o que já mostra de que lado está a maior parte da imprensa comercial brasileira.
Casos mais graves
Mas há coisas ainda mais graves. A repórter Patrícia Campos Mello, da Folha, foi ameaçada por apoiadores do bolsonarismo por ter revelado em manchete do jornal um crime de caixa dois que envolve milhões de reais e uma tentativa de fraudar a eleição.
O filho de Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), também teve revelado recentemente um diálogo em que ameaçou “acabar com a vida” de uma jornalista caso ela “dissesse mais uma palavra”. Disse que ela merecia apanhar mais e que “enfiasse a Justiça no cu”. Veja trechos:
BOLSONARO: “Sua otária! Quem você pensa que é? Tá se achando demais. Se você falar mais alguma coisa eu acabo com sua vida”
PATRICIA: “Isso é uma ameaça???”
BOLSONARO: “Entenda como quiser. Depois reclama que apanhou. Você merece mesmo. Abusada. Tinha que ter apanhado mais pra aprender a ficar calada. Mais uma palavra e eu acabo com você. Acabo mais ainda com a sua vida”
PATRICIA: “Eu estou gravando”
BOLSONARO: “Foda-se. Ninguém vai acreditar em você. Nunca acreditaram. Somos fortes”
PATRICIA: “Me aguarde pois vou falar”
BOLSONARO: “Vai para o inferno. Puta. Você vai se arrepender de ter nascido. O aviso está dado. Mais uma palavra e eu vou pessoalmente atrás de você. Não pode me envergonhar.
PATRICIA: “Tchau”
BOLSONARO: “Vagabunda”
PATRICIA: “Resolvemos na justiça. É a melhor forma”
BOLSONARO: “Enfia a justiça no cú”
Tradição
Jair Bolsonaro começou a carreira política nos anos 1980 ameaçando uma repórter. O jornalista Eduardo Aguiar, remexendo em arquivos da Biblioteca Nacional, encontrou uma notícia mostrando que uma repórter passou a ter proteção do Exército depois de ser ameaçada de morte pelo capitão.
Ela havia denunciado o plano de Bolsonaro de explodir bombas dentro de quartéis para pedir aumento de salário para os militares.