Dificilmente o brasileiro passou nos últimos anos por um perrengue coletivo tão grande. Gasolina acabou, álcool também. Em muitas cidades, a opção do ônibus já quase não existe. Táxi e Über ficam raros – e o preço dos aplicativos tende a ir às alturas.
As pessoas não têm como se deslocar nem para ir ao trabalho – e as aulas vão sendo canceladas. As consequências aumentam a cada dia e já há alguns tipos de comida faltando. Fala-se em falta de gás e até de dinheiro nos caixas eletrônicos.
E, no entanto…
No entanto a greve dos caminhoneiros parece ter amplo apoio entre a população. Por quê?
Adriano Codato, um dos mais respeitados cientistas políticos do país, costuma dizer que para esse tipo de resposta “ou há dados ou não há”. Ou seja: palpites são apenas palpites. E o que temos agora são exatamente palpitologias, mas que parecem necessárias para entender um fenômeno deste tamanho.
Um palpite que tem sua lógica é o seguinte: a população apoia uma greve quando acredita que ela é justa. Ponto. E apoia ainda mais quando parece entender que há um inimigo em comum a ser combatido. No caso, o governo Temer. Ou, mais propriamente, a política tradicional que ele representa.
O país se acostumou à explicação de que as passeatas e o mau humor contra Dilma eram puro antipetismo. Mas parece que pode haver mais por aí. Já em 2013, Marcos Nobre, filósofo da USP, arriscava outra explicação, dizendo que o problema era o peemedebismo.
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O PMDB estava por trás de boa parte dos males do governo petista (o que não significa que o PT estivesse limpo, claro). Descontada a parte destinada ao projeto de perpetuação no poder, principalmente com caixa dois eleitoral, os acordos espúrios todos ao fim e ao cabo eram para dar conta da coalizão que mantinha o governo, capitaneada justamente pelo PMDB.
Num país em que é preciso montar um governo a partir de um Congresso fragmentado em trinta partes, quem tem dez por cento do Congresso é rei. E os peemedebistas reinaram a seu modo: impondo a entrega de postos nas estatais, nos ministérios, nos bancos públicos. Sabe-se bem o porquê.
Com o impeachment de Dilma, o partido de Temer chegou diretamente à fonte do seu alimento, e se esbaldou ainda mais. Aos poucos, o partido foi corroendo aquilo que Marcos Nobre chama de cordão sanitário que FHC tinha iniciado, impedindo o partido de chegar mais perto das áreas sensíveis. O que culminou com a chegada à Presidência.
Agora, a raposa cuida do galinheiro.
A irritação da população com governos que parecem pensar mais no caixa para a próxima eleição e na divisão ministerial é nítida. Só quem não percebe isso são os próprios governantes.
Quando alguém parece confrontar “tudo isso que está aí”, sejam grevistas, caminhoneiros, defensores de um golpe de estado ou um capitão da reserva amalucado que promete mais caos do que luz, há sempre quem seja a favor.
O governo, afinal, é o inimigo comum.
Michel Temer, em 2015, dizia que Dilma não tinha como se manter presidente com 9% de popularidade. Ele hoje tem um terço disso, e segue caindo. Talvez não caia porque abaixo dele não parece haver conspiradores tão baixos quanto era o vice de Dilma. E porque falta pouco para o fim de seu mandato conseguido – cada vez fica mais claro – com um golpe parlamentar.
Fora isso, é um inútil no Planalto. E a população deixa claro que sabe disso perfeitamente.
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