Da coluna Caixa Zero:
O repórter é como o náufrago na proverbial ilha deserta. Deseja desesperadamente que alguém leia sua mensagem. Mas se a ilha tivesse, por um desses milagres da vida, um bom sinal de wi-fi, por que colocar o papelzinho na garrafa? Por que não pegar o celular e ter a certeza de que o resgate virá muito mais rápido.
O repórter também é como o responsável por alimentar alguém. Precisa que o fruto do seu trabalho chegue às pessoas para que elas satisfaçam uma necessidade básica. E a não ser que a gente queira viver como os bichos, a necessidade de informação é quase tão importante quando a de comida.
É lógico que sempre vai haver quem tenha nostalgia dos dias em que o leiteiro chegava de carroça, cedinho, e entregava as garrafinhas na soleira da porta – levava as vazias, deixava as cheias. Mas hoje isso dificilmente funcionaria. E todo mundo continua consumindo leite. Fora pelo impulso de romantizar o passado, só o que importa é saber se o leite hoje é tão nutritivo quanto antes.
O jornalismo mudou. Onze anos atrás, quando esta coluna estreou, seria impensável, talvez, um jornal de grande porte abrir mão do papel impresso. Do sujeito entregando as notícias na porta. Era ir contra a tradição. Era como suspender a entrega do leite na carroça e pedir que as pessoas comprassem embalagem longa vida.
Para muita gente, a passagem do jornal impresso para o on-line pode parecer uma perda. E há coisas que o impresso faz muito bem. Tem uma capacidade de hierarquização da notícia que talvez nenhum outro veículo tenha. Mas o jornal em meio digital é praticamente infinito em possibilidades.
Jamais o jornal impresso teria como se atualizar com a rapidez do digital. O jornal na internet é mais rápido, mais barato e tem a capacidade de informar melhor por contar com ferramentas multimídia antes inconcebíveis. As perdas são poucas, os ganhos são muitos.
Nesses onze anos, o mundo mudou. A coluna acompanhou três presidentes, três governadores, quatro prefeitos da capital. Um impeachment, a maior investigação de corrupção do país, dezenas de injustiças na política local – culminando com um massacre de professores em praça pública que até hoje permanece impune.
Mas nem tudo foram misérias. O país melhorou em vários aspectos: diminuiu a fome, a legislação garante acesso a informações públicas, conseguimos colocar índices inéditos de pessoas na universidade. Aos trancos e barrancos, as gerações mais novas vão tendo uma vida um pouco melhor do que as anteriores.
A coluna Caixa Zero passa agora exclusivamente para a internet, basicamente com um compromisso. O de tentar fazer jornalismo relevante. Porque o grande risco dos jornais nesta era em que todo mundo produz conteúdo é de se nivelar por baixo. De cair na histeria, no discurso fácil, para agradar os leitores e conseguir cliques a qualquer custo.
O jornalismo não perde relevância simplesmente por ser digital. Mas perde se aceita a regra do jogo da internet, de agradar em primeiro lugar – e deixar a informação em segundo plano. O papel do jornalismo neste mundo sem papel será o de mediar. De moderar. De fazer o papel racional de garantir o debate civilizado e civilizatório.
Há onze anos, quando comecei esta coluna, não tinha tanta preocupação com o futuro. Hoje, graças ao Bernardo e à Ana Clara, penso cada vez mais no mundo que vou deixar para eles. Se for um mundo em que as pessoas se informem melhor, já há de ser uma grande coisa.
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