A meninada da zona norte do Rio de Janeiro poderia fazer uma barreira impedindo que homens vindo da zona sul da cidade chegassem ao Palácio Guanabara. Pelos critérios usados pelo próprio governo do Rio, estariam atuando de maneira correta.
Quando a situação foi inversa, o governo não teve dúvidas em agir. Havia uma onda de arrastões nas praias da zona sul carioca. O governo do Rio dizia que era possível estabelecer um perfil dos suspeitos de cometer esse tipo de crime.
Os possíveis culpados eram meninos que saíam da zona norte, mais pobre, e pegavam ônibus para chegar à zona sul. Para evitar que isso se repetisse, o governo passou a barrar ônibus cheios de meninos pobres e negros que iam passar o dia em Copacabana, Ipanema, Leblon.
Houve clamor público contra a medida do governo na época (não muito grande na verdade, já que aparentemente muita gente concordava com as medidas). Defensores públicos diziam que ninguém podia ser suspeito só por ser da zona norte ou por estar a caminho das praias.
Só porque eram negros e pobres? O que justificava eles serem proibidos de seguir viagem, serem levados a delegacias, serem mandados de volta para onde pertenciam? A justificativa era uma só, e o governo não se arrependia dela: era preciso evitar crimes, ainda que alguns inocentes pagassem também por isso.
Agora, descobre-se que vários sujeitos estavam envolvidos em crimes para tirar dinheiro dos cofres públicos do Rio de Janeiro. Dois ex-governadores foram pegos com a mão no jarro. Foram presos.
É possível aqui também estabelecer um padrão etnográfico dos suspeitos. São homens brancos adultos, sempre vindos da zona sul do Rio, descendentes da elite, que ocupavam cargos públicos no primeiro escalão.
Pelos mesmos critérios usados pela polícia carioca, seria possível impedir que outros com o mesmo perfil se aproximem do local do crime. Alguns inocentes até talvez pagassem por isso? Sim, mas não é preciso manter a ordem?
Pezão, o atual governador do Rio, foi quem determinou a retirada dos meninos dos ônibus. Queria impedir o roubo de carteiras, bijuterias e joias nas praias. Pequenos roubos que realmente são uma praga.
Agora sabe-se que seu padrinho político, Sergio Cabral, depois de garantido o clima de segurança nas praias, com a apreensão de meninos talvez inocentes, recebia uma joalheira em sua casa e comprava produtos de até R$ 100 mil de uma só vez, com dinheiro vivo.
A lei e a ordem, segundo Pezão, estavam garantidos. Agora sabe-se o que os autores das medidas ganhavam em troca. Joias bem mais caras do que aquelas furtadas nos pequenos crimes da orla – e com a vantagem de serem pagas em dinheiro. Dinheiro meu, seu e dos impostos das famílias da zona norte carioca.
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