Bernardo, Ana, Gabi:
Nesta semana, pela primeira vez estivemos todos juntos. A Gabriela deu de nascer bem no dia em que o país começou a decidir seu destino, no sete de outubro. Vocês devem estar lendo isso anos depois, claro, não fazem ideia da aflição que a mãe de vocês e eu passamos na maternidade, esperando o resultado do primeiro turno.
A essa altura, já ninguém estava muito se preocupando com a eleição de deputado, senador, governo. O que viesse, seria aceitável. O problema, num país de poder centralizado como o nosso (será que isso mudou quando vocês estiverem lendo?), é sempre o presidente.
Havia 13 opções, 13 candidatos. Alguns não tinham a menor chance, claro. Mas pelo menos uns cinco ou seis eram pra valer. Gente com currículo, com história na democracia, com eleições importantes nas costas. Um formado em Harvard, outra formada na vida dura de pobreza em meio à floresta. Havia banqueiros e professores, governadores e senadores.
Mas o risco, o motivo da aflição, era porque um candidato que surgiu de fora da história democrática do país podia levar tudo já no primeiro turno. Não tenho como saber o que vocês já sabem ao ler isso: na escola, vocês devem ter ouvido alguma versão dos fatos que vieram depois. Mas o pai continua com muito medo do que possa acontecer.
Bolsonaro, um sujeito radical, intolerante, acabou não levando no primeiro turno por muito pouco. Com a Gabi no colo, no quarto 15 da maternidade Curitiba, eu via os números dele oscilarem perto dos 48% dos votos válidos. Com 50%, ele seria eleito.
(A Ana e o B estavam na casa do tio Caetano. Foi a primeira vez que vocês passaram tanto tempo longe do pai e da mãe.)
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No fim da noite, eu estava duplamente aliviado. O parto, apesar de uns problemas, correu bem. E havia um segundo turno. Mas um segundo turno terrível.
O candidato que restou para enfrentar Bolsonaro foi Fernando Haddad, um professor da USP, ex-prefeito de São Paulo, filiado ao PT. E aí vinha o problema.
Embora Haddad fosse um sujeito tranquilo e ninguém tivesse muita coisa contra ele (foi um belo ministro da Educação), o partido de Lula era odiado principalmente pela classe média.
A situação ficou mais ou menos essa: o candidato do PT era evidentemente mais preparado. Vejam bem: Bolsonaro sempre foi um sujeito tosco, que defendeu tortura, ditadura, misoginia, racismo, homofobia. Chegou a defender grupos de extermínio. Não é difícil ser mais preparado do que isso.
Mas Haddad era do PT. E a classe média, depois dos escândalos de corrupção do petismo (mas principalmente pelo ódio já anterior ao partido) decidiu que ia se vingar dos 13 anos em que teve que engolir Lula, por imposição dos mais pobres e do Nordeste.
O plano passou a ser: qualquer um que ganhe do PT está valendo.
Ainda que seja um despreparado, um quase-fascista, um protoditador.
Nada interessava.
E agora escrevo faltando mais ou menos duas semanas antes da eleição imaginando que Bolsonaro vai, sim, apesar de tudo, se eleger presidente. E isso me enche de preocupação. Será que o apoio dele à ditadura de 64 significa que ele vá tentar algo igual? E o apoio à tortura, vai trazer o quê? E a violência policial, a que alturas vai subir?
Espero que, quando vocês lerem tudo isso, estejam pensando que meus temores foram à toa. Que tudo esteja bem e que o país em que vocês vivem seja muito melhor do que hoje.
É isso que está em jogo, afinal. O país que a gente vai deixar para a próxima geração.
Amo vocês. Fiquem bem. E desculpem por qualquer coisa.
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