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Eu nunca fui muito fã de Guerra nas Estrelas – assistia os filmes socialmente, por assim dizer. Vi seis no total, e em todas as aproximadamente 18 horas de projeção, tive apenas um “momento”. Aquele instante em que você parece ter visto algo que vai ficar na sua cabeça. Que poderia – e deveria – ficar no inconsciente coletivo.

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Como esta é uma coluna de política, você talvez saiba do que estou falando. É a cena em que um governo autoritário assume o comando e uma personagem, ao ver a euforia dos que estão ao seu redor, comenta sabiamente: “Então é assim que a liberdade morre, com aplausos estrondosos”.

O Brasil viveu uma experiência assim em 1964. Enquanto os generais derrubavam um governo e se instalavam no poder, dando um golpe que exterminaria as liberdades democráticas por 21 anos, a elite e a imprensa festejavam. Os aplausos estrondosos foram quase unânimes entre os governadores, quase sem exceção nos jornais.

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Décadas depois, quando a democracia voltou e ficou deselegante ter apoiado um regime que resultou em tortura, censura e mortes, começaram a pipocar tímidos pedidos de desculpas. Bem-vindos, claro, mas inócuos.

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Recentemente, as organizações Globo passaram pelo constrangimento de ter o candidato Jair Bolsonaro em seus estúdios apontando o dedo para os jornalistas que cobravam seu apoio à ditadura. Nessa questão, disse Bolsonaro, ele fechava com Roberto Marinho. Pobres âncoras, que mal era nascidos em 64…

O triste, porém, é ver que a lição não foi aprendida. Cinquenta e quatro anos depois, mais uma vez a democracia corre perigo. E pelo mesmo medo de antes (de um governo populista em 64; de um governo petista em 18) elite e imprensa se calam diante do monstro. Se recusam a chamá-lo pelo nome.

Jair Bolsonaro, conforme admite ele próprio, é um admirador da ditadura. Um fã do coronel Ustra, maior torturador do regime. Um sujeito que ao saber de uma mulher torturada com o uso de lima jiboia, disse ter pena da jiboia. Um homem que acha que o erro da ditadura foi “torturar e não matar”, e que já chegou a prometer um regime muito mais violento do que o de 1964.

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Bolsonaro é um sujeito truculento, que a todo instante finge que objetos são armas: em alguns casos, para “metralhar” simbolicamente adversários políticos – coisa que incita seus partidários a fazer.

Seu vice, não por coincidência um general, já defendeu intervenção militar (um eufemismo para golpe) e recentemente disse que Constituição não precisa ser feita pelo povo. Aliás, disse que em caso de anarquia o presidente poderia dar, sim, um autogolpe.

A todas essas, nossa elite se cala. Aliás: é a maior patrocinadora da candidatura. A faixa do eleitorado em que Bolsonaro vai melhor é justamente a de maior renda. É evidente o que se passa: desgostosa com os governos eleitos pelas classes populares nas últimas quatro campanhas, nossa elite decidiu que chega – que se o preço é um governo violento que acabe com essa anarquia (vulgarmente conhecida como democracia), que seja.

Não é preciso ser adivinho para saber, a essa altura, que Bolsonaro, caso eleito, será um desastre. A imprensa internacional, aliás, já falou sobre isso. Na Inglaterra, um país com tradição democrática secular, os jornais estão alertando. O Guardian chama Bolsonaro de “perigoso”. Poderiam dizer que é por ser um jornal de centro-esquerda. Muito bem, mas a Economist, uma revista declaradamente à direita, chamou Bolsonaro de “presidente desastroso”.

DESEJOS PARA O BRASIL: Democracia aprofundada

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Só aqui a imprensa não diz isso com todas as letras. Pelo contrário, omite ou minimiza as condutas graves de Bolsonaro.

Nos últimos dias, a Folha de S.Paulo, jornal que compactuou com o regime de 64 por 13 anos, publicou pelo menos dois bons textos de colunistas denunciando a situação. Os artigos de Celso Barros e Marcelo Coelho são inteligentes, coerentes e apresentam consistência histórica e política. Nada a ver com gritos de “Mito”.

Mas ainda faltam editoriais. Ainda falta dizermos as coisas que elas são, antes que seja tarde. Faltam menos de seis semanas para o segundo turno. Repetiremos o erro da geração anterior? Seremos omissos? Coniventes? Quando virão os pedidos de desculpas?