Quase foi. Mas não deu. Pela falta de 15 votos, a Câmara rejeitou a proposta que destinava 15% das vagas no Congresso para mulheres. Curiosamente, a maioria votou a favor da proposta: foram 293 votos a favor, contra 101 contra. Mas por se tratar de mudança na Constituição, seriam necessários 308 votos.
Houve deputado reclamando que o país cria cotas demais. Por mais que a declaração seja rabugenta, dá para entender o mal-estar que toda decisão desse tipo cria. É realmente ruim que tenham de se inventar limites, cotas, espaços garantidos, ainda mais em situações como o Parlamento, que deve ser eleito livremente pelos cidadãos. Para muita gente, deve parecer que se está tentando resolver por decreto uma situação, quando essa não é a melhor maneira.
De fato, as cotas nunca são a melhor maneira de resolver nada. Mas, às vezes, são a única maneira. É o caso da situação feminina e sua representação política. Em nenhum outro caso é tão nítida a disparidade entre o que a sociedade de fato é e sua representação no Congresso (e nos demais parlamentos). No mundo real, pouco mais da metade do Brasil é de mulheres. No Parlamento, são pouco menos de 10%.
Isso se reproduz nos estados e municípios. Na Assembleia Legislativa do Paraná, há 50 homens e quatro mulheres. Na Câmara de Curitiba, são 32 homens e seis mulheres. Isso sem falar que a maioria das representantes femininas, além de tudo, não encampa causas das mulheres e, muitas vezes, acabam ainda reproduzindo declarações machistas que predominam na sociedade. Mas essa é uma história paralela.
O argumento contra as cotas femininas é fácil. A população escolhe livremente seus deputados. Os eleitos são escolhidos não em função de serem homens, mas porque tiverem mais votos. Se mais mulheres participarem e tiverem votos, serão eleitas. É a ideia da livre competição. Mas nem sempre a competição livre é competição justa.
As cotas seriam uma maneira de forçar o Parlamento a representar de maneira um pouco mais equitativa a sociedade brasileira, sem que se perdesse nada de democracia. Até porque a paridade (ou algo menos do que isso) pode ser um conceito democrático tão importante quanto a ideia simples de que “quem tem mais votos vence”.
Nosso sistema eleitoral, na verdade, já nem segue esse princípio. Nem sempre são os mais votados os que são eleitos. Há regras criadas para fortalecer partidos que determinam que há distribuição de cadeiras de acordo com os votos da legenda. Por que garantir o fortalecimento dos partidos seria mais importante do que garantir o fortalecimento da participação feminina na política?
Na verdade, todos queríamos que isso não fosse necessário. Que as mulheres conseguissem representação sem cotas – eis o ideal. Mas a política cria esse mal-estar ao impor um sistema eleitoral baseado na força do financiamento, reproduzindo no Parlamento não aquilo que a sociedade é, mas sim aquilo que os financiadores desejam que esteja representado.
Uma reforma política ideal aproximaria a política da população, criando mecanismos que permitissem partidos mais permeáveis, não dominados por caciques; uma maior possibilidade de renovação; e eliminasse as distorções do sistema de financiamento vigente. Enquanto não chegamos a isso, as cotas seriam uma maneira de eliminar pelo menos uma das desigualdades de que as mulheres são vítimas históricas.
Mas, como se viu, nem isso passou.
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