Da coluna Caixa Zero, publicada nesta quarta-feira, na Gazeta do Povo:
Ricardo Semler, que nos anos 1980 ficou famoso com livros sobre gestão de empresas, dizia que pobre é o sujeito que não sabe a diferença entre 100 mil dólares e 1 milhão de dólares. Quando a quantidade de zeros aumenta, aí mesmo quem não tropeçou no primeiro teste começa a ter problemas. E, especialmente em época de eleição, o eleitor brasileiro, vivendo num país de orçamentos bilionários, tem de conviver com a chuva de cifras que jogam no seu colo.
Assim, os R$ 47 milhões que os juízes paranaenses pretendem levar anualmente para casa a título de “auxílio-moradia” caem na vala comum dos números gigantes. É muito dinheiro, óbvio. Mas faria quanta falta? Ou, em termos que mesmo o eleitor mais desacostumado a lidar com milhões pode entender: o que daria para fazer com esse dinheiro se ele não fosse para o bolso dos magistrados?
Um levantamento com base nos gastos recentes do governo e da prefeitura mostra. A cada ano, por exemplo, seria possível criar mais 4 mil vagas de creches. Ou fazer mais seis unidades de saúde como a que está sendo concluída no Tatuquara, em Curitiba. Essas seis unidades seriam suficientes, por sua vez, para realizar mais 90 mil consultas por mês. Ou mais de um milhão de atendimentos por ano.
O número que talvez mais chame a atenção é o de casas populares que poderiam ser construídas. Afinal, estamos falando de auxílio-moradia, certo? Pelo preço que a Cohapar (a companhia de habitação do estado) vem pagando para construir cada unidade, por ano seria possível erguer mais 5,3 mil casas para a população de baixa renda. Ou seja: casas para mais 21 mil pessoas, ou 100 mil pessoas em cinco anos.
Alguém poderá dizer que a comparação é injusta. Faz sentido. Afinal, os mutuários da Cohapar e das outras companhias de habitação popular acabam pagando parte do que receberam. No caso do pagamento feito aos magistrados, o dinheiro é a fundo perdido mesmo: vai e não retorna.
Desnecessário dizer que ninguém quer que os juízes ganhem salário mínimo. Mas, primeiro, é preciso registrar que os salários da categoria não são exatamente de fome. O menor dentre os juízes recebe mais de R$ 20 mil por mês. Dificilmente precisará de apoio governamental para pagar sua casinha. Quanto mais de R$ 3,2 mil para se mudar para as cidades em que os magistrados atuam no início da carreira, quando supostamente ainda não formaram um patrimônio. Ganha uma mariola quem achar uma casa de R$ 3,2 mil para alugar em Mallet, Pato Bragado ou Saudades do Iguaçu.
O que incomoda é o fato de os juízes criarem penduricalhos proibidos pela própria lei que eles são pagos para defender. Mas não só isso: incomoda saber que esses números estão à disposição de todos. E que os juízes, sendo gemente bem informada, sabem (ou deveriam saber) que o dinheiro faz falta no orçamento. É parte da verba do Judiciário? Mas e o que impede que os juízes, num gesto de – e prestemos bem atenção à palavra – justiça, devolvam os valores para que sejam empregados em obras? Nada. Rigorosamente nada.
O Judiciário precisa perceber que, embora não dependa de votos para se manter no poder, precisa da confiança da população. E casos como o do auxílio-moradia ou a nova lambança do ministro Luiz Fux em nada contribuem para isso. Juízes devem ser justos, por definição.
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