Marília Pêra teve duas histórias famosas ligadas à política nacional. Uma durante a ditadura militar, outra no período da redemocratização do país. Nas duas, defendeu o que acreditava, sem se esquivar, mas igualmente sem perder o espírito democrático.
Em 1968, ficou famoso o caso em que ela apanhou dos integrantes do Comando de Caça aos Comunistas. A jovem atriz era parte do elenco de Roda Vida, escrita por Chico Buarque e dirigida por José Celso Martinez Corrêa.
O teatro em que a peça era apresentada o Galpão, foi invadido por um grupo para militar que reagiu à “imoralidade” da peça. A censura havia dito que Chico Buarque “criou uma peça que não respeita a formação moral do espectador, ferindo de modo contundente todos os princípios de ensinamento de moral e de religião herdados de nossos antepassados”.
No palco, um cantor popular era morto e ao estilo anárquico de Zé Celso, atrizes comiam um fígado de boi cru para representar seu coração – às vezes o sangue espirrava na primeira fila. Uma atriz, que simulava sexo com uma câmera, era depois transmurada em Nossa Senhora, ainda de bobs nos cabelos.
“Você acha que a gente pode admitir aquela putaria com a Virgem Maria? Botar Nossa Senhora de bobs na cabeça!… Eu não acredito em porra nenhuma de religião, mas um negócio desse não pode. Vocês acham que as famílias vão ao teatro para ver isso?”, disse um militar mais tarde a Caetano Veloso, segundo relato publicado na revista “O grito”.
Marília Pêra apanhou junto com outros atores. Os vândalos (o Exército jamais admitiu ter participado da ação) usavam cassetetes e socos ingleses. Marília Pêra teve as roupas rasgadas e foi obrigada a passar, nua, por um corredor polonês, apanhando. Só não apanhou mais porque uma camareira se atirou sobre seu corpo, pedindo compaixão.
Tida como comunista, foi presa ao todo três vezes na ditadura. Comunista não era. Tanto assim que em 1989, ao fim da ditadura, pediu votos para Fernando Collor de Melo na tevê. Em sua mensagem, pedia que deixasse de haver “patrulhamento”. E pedia, em outras palavras, tolerância.
“Nessas eleições, por favor não patrulhe não se deixe patrulhar, não perca seus amigos por causa de diferenças ideológicas que talvez sejam temporárias. Não brigue. Não vamos brigar. pense que o importante é um Brasil melhor. nessas eleições, eu voto em Fernando Collor de Melo e você vota em quem você tiver vontade de votar.”
Collor não merecia o voto dela. Mas o Brasil merecia uma atriz capaz de pedir tolerância na política depois de apanhar justamente por causa da intolerância alheia.
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