Para Fernando Henrique Cardoso, talvez o atual cenário pareça uma ocasião especialmente feliz para se vingar de tudo o que o PT fez com ele durante seus dois mandatos. Castigado por uma oposição petista duríssima durante oito anos, FHC ouvia muita gente pedir que ele fosse embora, junto com o FMI. Durante anos.
Depois de sair do governo, ao fim do mandato, Fernando Henrique viu sua situação se fragilizar ainda mais: Lula, por uma série de fatores, chegou a uma popularidade que o tucano jamais teve na presidência. Mais: os mandatos de Fernando Henrique ficaram marcados pelas campanhas feitas contra ele, e nem mesmo os candidatos do PSDB, durante muito tempo, queriam muita proximidade com ele.
Assim, para o ex-presidente, a chance de aparecer como o grande nome do PSDB a avalizar as críticas a Dilma é um presente inestimável. Ou assim poderia parecer. De sua cátedra, Fernando Henrique destilou a raiva contra o petismo com comentários ácidos, dizendo que Dilma poderia ter “um gesto de grandeza” ao renunciar. Mais: diz que o país considera que o mandato dela é “legal” mas não é “legítimo”.
Poder questionar a legitimidade de um mandato do adversário com apoio das ruas (de muita gente nas ruas, pelo menos) é algo que, para um político vaidoso, não tem preço. Mas como tudo em política, também isso tem dois gumes.
Ao descer do pódio de ex e se envolver na arena partidária novamente, com todas as suas mesquinharias, FHC botou as luvas de boxe de novo. Penduradas, elas lhe garantiam algum sossego. Mais: nos últimos anos, mesmo o PT vinha reconhecendo algumas conquistas importantes de seu mandato. Elogiam-se até as privatizações. Agora, FHC troca a paz de um mandato que começa a ser reavaliado pela rusga com os petistas.
Claro que isso só fará reavivar os gritos contra os problemas de seu governo, como a denúncia de compra da emenda da reeleição, as privatizações sob suspeita e os péssimos índices sociais do país em seu período. A vingança é um prato que se serve frio, dizem. Fernando Henrique tentou criar sua vingança-gourmet. Acaba que vai se ver de novo no centro da ribalta, novamente exposto a críticas.
Até porque os argumentos que ele usa sobre a “legitimidade” ou “falta de legitimidade” do governo Dilma são absolutamente questionáveis. Intelectual de estofo, FHC sabe que só o que dá legitimidade a um mandato numa democracia é o voto. Dilma teve milhões deles há menos de um ano, e venceu dois turnos de uma eleição livre.
Fora disso, quem poderia declarar o mandato ilegítimo seria o Congresso (por um impeachment) ou o Judiciário. Isso não ocorreu. O que ocorreu foi a grita das ruas. E, por mais que tenham se mobilizado milhares de pessoas, mais de um milhão segundo algumas contas, isso não diz o que é e o que não é legítimo. Fosse assim, e para derrubar o próximo presidente do PSDB bastaria todos os eleitores petistas irem às ruas e formar o mesmo número.
Indicadores de popularidade e gente nas ruas são boas medidas de quanto a população está insatisfeita com um governo. Daí a se dizer que isso tira a legitimidade de um governo recém-eleito vai uma grande diferença. E Fernando Henrique sabe disso. Se finge que não sabe, é só por seu ódio ao petismo.
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