O Exército brasileiro chegará a 2014 sem saber como contar a sua História. Será o ano em que mais se falará sobre o golpe de 1964, que estará completando 50 anos. E aparentemente ainda existem forças dentro da instituição que se recusam a admitir que o que aconteceu foi uma ruptura antidemocrática.
No site do Exército, a página dedicada à História está “em manutenção” há três anos. Em setembro de 2010, a versão anterior foi retirada do ar. Isso porque O Estado de S. Paulo, em maio daquele ano, havia mostrado que a página trazia uma defesa exacerbada do golpe.
O texto colocado que foi jogado no lixo dizia que a derrubada de João Goulart da Presidência havia sido uma “opção pela democracia”. “Eufórico, o povo vibrou nas ruas com a prevalência da democracia”, via-se na página. O capítulo, conforme registrou o Estadão, era intitulado Antecedentes e Revolução Democrática de 1964.
O texto também afirmava que “os recentes fatos da história contemporânea demonstraram que o povo brasileiro estava certo quando, na década de 60, optou pela democracia”. Os fatos recentes incluíam a queda do Muro de Berlim, explicaram os militares. Ou seja: continuava a se defender que o golpe foi necessário e que foi uma medida “preventiva” contra uma possível revolução socialista no país.
Retirar o texto do ar foi importante, necessário. É impossível que num regime democrático uma instituição atrelada ao governo continue defendendo uma ditadura, continue dizendo que golpe não é golpe e que derrubar um, presidente eleito é um “opção pela democracia”. O problema é: três anos depois, nenhum outro texto entrou no lugar para substituí-lo. As aparências não enganam: certamente há pressão de lados diferentes e parece impossível conseguir consenso mesmo para umas poucas e mal-traçadas linhas.
Não se trata de indício único. Poderia ser um mero esquecimento. Mas é visível a todo instante que ainda há dentro do Exército gente que se nega a admitir o golpe. Dois anos atrás, um debate convocado pelo Clube Militar do Rio claramente selecionou a dedo palestrantes que defendiam a versão da “Redentora”. Saíram de lá xingados pela multidão. Na Comissão da Verdade, depoentes insistem, como fez o coronel Ustra, que tudo aquilo era em nome da democracia.
Mais recentemente, o mesmo Clube Militar colocou no ar um texto desancando o jornal O Globo, que admitiu em editorial ter errado ao apoiar o golpe de 64. O texto de opinião dos militares da reserva (os únicos autorizados a escrever sobre esses temas, se intitulava “Equívoco, uma ova!”.
“Equívoco, uma ova! Trata-se de revisionismo, adesismo e covardia do último grande jornal carioca. Nossos pêsames aos leitores”, diz o editorial.