Os romances clássicos sobre “distopias” – que narravam alguma força que dominava todos os cidadãos de uma sociedade por meio de um controle social – invariavelmente se referiam a governos. É assim com 1984, de George Orwell, ou Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Sinal dos tempos: recentemente foi publicado nos Estados Unidos um romance do mesmo gênero, mas que atribui o controle social desmesurado a uma empresa.
O Círculo, do respeitado romancista Dave Eggers, fala sobre a possibilidade de uma empresa de tecnologia exercer o mesmo papel que os governos totalitários exerciam nas outras distopias: definir o que as pessoas farão, à revelia delas. No caso da política, esse receio vem se tornando bastante real. Empresas como o Google e o Facebook, que atingem literalmente bilhões de pessoas, poderiam influenciar não só as vidas cotidianas como também grandes eventos sociais – uma eleição, por exemplo.
Neste ano, durante as prévias das eleições norte-americanas, por exemplo, surgiu a denúncia de que o Facebook estaria boicotando postagens de candidatos com pontos de vista mais conservadores. Sabendo da força que esse tipo de comunicação tem – e que Barack Obama revelou nas suas duas eleições para a Presidência – é evidente que a denúncia ganhou ares conspiratórios, com discussão sobre a real chance de um algoritmo decidir quem vai governar a nação mais rica do planeta.
A denúncia sobre a manipulação, neste caso, partiu de funcionários da rede social. Alarmado com a possibilidade de isso afetar a reputação de sua empresa bilionária, Zuckerberg se reuniu em maio com políticos conservadores para garantir que o Facebook seria uma plataforma neutra, para todas as ideias.
As empresas, claro, dizem que não têm qualquer interesse em determinar resultados eleitorais, nem mesmo de influenciar os eleitores. Mas no caso do Facebook, por exemplo, o algoritmo que decide o que aparecerá em sua timeline não é público. Ninguém sabe quais são os critérios que levam uma publicação a aparecer antes de outra – e isso, aliás, pode variar de um dia para o outro, sem que você seja notificado de nada.
Para o cientista político Sérgio Braga, da Universidade Federal do Paraná e estudioso em comunicação política, não há como negar que as redes sociais – e a internet de maneira geral – hoje têm um peso decisivo nas eleições. “As redes sociais não são um grande meio para chegar ao eleitor, mas são decisivas para reforçar a mentalidade de seus apoiadores, dos cabos eleitorais”, afirma o professor.
Novos eleitores
A influência sobre uma eleição poderia se dar de várias maneiras. Recentemente, por exemplo, o Journal of Communications publicou uma pesquisa mostrando dados de alistamento de eleitores quando o Facebook coloca um simples alerta lembrando que o prazo para fazer seu título de eleitor está acabando. Na Grã-Bretanha, por exemplo, segundo o governo, isso levou 186 mil pessoas a se registrarem antes do referendo sobre a saída do país da União Europeia.
Nos Estados Unidos, o mesmo lembrete causou quase 650 mil novos registros na Califórnia, segundo o governo local. E sabe-se que nos EUA o número de eleitores que comparecem às urnas (ao voto é facultativo) pode definir uma eleição.
Em 2010, propositadamente, o Facebook decidiu fazer disso um experimento nas eleições parlamentares dos EUA. O resultado foi que das 61 milhões de pessoas atingidas (todos maiores de 18 anos e potenciais eleitores), calcula-se que a rede social impulsionou 340 mil a votarem. Isso não necessariamente ajudou a um ou outro partido.
Neste ano, a empresa, que faz votações regulares entre os funcionários para saber quais perguntas gostariam de ver respondidas pelo presidente do Facebook, Marc Zuckerberg, viu aparecer em uma das votações o seguinte questionamento: qual a responsabilidade da rede social em impedir que Trump se eleja presidente? A resposta não foi dada. Mas há muitos motivos para se pensar nela.
O pesquisador Robert Epstein publicou recentemente no site Politico resultados de um levantamento que, segundo ele, mostram que o Google tem um poder de influência sobre eleições – e sobre crenças e opiniões em geral – talvez “maior do que o de qualquer outra empresa na história”.
“O próximo presidente dos Estados Unidos pode ter seu caminho até o gabinete facilitado não só por anúncios de tevê e discursos, mas também por decisões secretas do Google, e ninguém – exceto por mim e talvez por alguns poucos outros pesquisadores obscuros – jamais saberia como isso foi feito.”
Segundo Epstein, psicólogo de renome, uma simples variação no algoritmo de busca do Google poderia fazer mudar as intenções de voto de pelo menos 20% – chegando a 80% em casos extremos – dos indecisos. E o pesquisador diz que há três meios pelos quais isso pode acontecer.
O primeiro seria uma decisão da própria cúpula da empresa (por acreditar num candidato ou por receber vantagens dele). O segundo, seria a interferência de um programador dentro da empresa, atuando sozinho. Mas o terceiro cenário, classificado por Epstein como “o mais assustador” não tem um culpado humano visível.
Segundo o pesquisador, o próprio software da empresa, movido pelas pesquisas anteriores – pelo “comportamento orgânico” dos internautas – passa por conta própria a selecionar o que as pessoas mais querem ver. E sem que nem mesmo a empresa perceba, isso estaria afetando o resultado da disputa política.
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