Texto publicado na Gazeta do Povo deste sábado:
“Um traço comum no carnaval de diferentes épocas e países é o de virar as regras do avesso”, afirma Leandro Narloch logo no início do capítulo sobre samba de seu livro, o Guia politicamente incorreto da história do Brasil. Os exemplos vêm de Roma, onde escravos e servos trocavam de papel por alguns dias, e da Idade Média, quando era costume o Rei Momo tomar o lugar das autoridades durante o carnaval. No Brasil, nunca houve troca de papéis, mas a subversão no século 19, por exemplo, vinha dos costumes, das guerras de água na rua, da brincadeira espontânea do povo.
“Mas suponha que, de repente, um ditador bem metódico, militar e fascista, um ditador como o italiano Benito Mussolini, aliado de Hitler na Segunda Guerra Mundial, tivesse o direito de regular essa bagunça para torná-la orgulho da nação. Como seria o carnaval organizado por Mussolini?”, pergunta ele. “Imagino que não haveria personagens trocados, arremessos de bolas de cera ou guerrinhas d’água. Como em um desfile patriótico, os carnavalescos marchariam em linha reta, com tempo metodicamente marcado para cada evolução. Passariam diante das autoridades do governo, que avaliaram a disciplina, o figurino e a média dos acertos dos grupos, dando notas até dez”.
A imagem não é familiar? Pois a ligação entre o carnaval das escolas de samba cariocas e o fascismo, tendo o governo de Getúlio Vargas como agente da inusitada conexão, é apenas uma das sacadas que o leitor encontra no livro de estreia de Narloch. Jornalista formado na Universidade Federal do Paraná, o curitibanoé fascinado por história. Mas não pela história oficialesca que normalmente nos contam nas escolas. E decidiu lançar um livro que funciona como um panfleto contra as cartilhas empurradas aos alunos década após década.
O guia foi baseado em estudos acadêmicos recentes que, de acordo com Narloch, são um antídoto para teorias forjadas mais com base na ideologia do que na verdade comprovada em fatos. Assim, na versão politicamente incorreta, Santos Dumont não inventou o avião (e, sim, os irmãos Wright); Zumbi dos Palmares tinha escravos (e mandava sequestrar pessoas); os índios aprenderam a preservar a floresta só quando entraram em contato com os portugueses; e Aleijadinho é uma pura ficção literária. É como diz o próprio autor, ao descrever o conteúdo de seu livro: “Só erros das vítimas e dos heróis da bondade. Só virtudes dos considerados vilões”.
O livro foi escrito, de acordo com Narloch, “para pessoas que gostam de discutir ideias”. “Acredito que, assim como eu, muitos jovens estão cansados de ouvir a mesma ladainha da escola, aquela em que os ricos e poderosos são exploradores inescrupulosos e os pobres, vítimas sempre indefesas, e em que tudo acontece por interesses econômicos. A história é muito mais interessante do que isso”, diz.
O próprio Narloch também admite que o livro foi escrito para irritar o maior número de pessoas. “Sobretudo os representantes de minorias que colocam nos outros a origem de todos os seus problemas (como grande parte do movimento negro e indígena). Também quis provocar quem posa de bom moço, como os guerrilheiros comunistas dos anos 60 e 70”, afirma. Mais politicamente incorreto é difícil.
Certamente não é um livro que vá agradar a todo mundo. E já há quem esteja chiando sobre as teorias de historiadores defendidas por Narloch. “Com o Santos Dumont é impressionante: tanto pessoas da esquerda quanto da direita se ofendem ao ler que Santos Dumont não inventou o avião. É como se a crença no seu pioneirismo fosse um bem, uma propriedade, que alguém (no caso eu) arranca de repente. Não há por que se ofender assim”, diz.
Mas, por outro lado, a popularidade que o livro vem alcançando rapidamente mostra que muita gente estava esperando para ouvir uma versão menos polida da história do país. O guia já está na lista dos mais vendidos da revista Veja e chegou ao primeiro lugar de vendas na Livraria Cultura. Narloch encontrou seu público. E encontrou seus inimigos. Quem quiser saber o motivo de tanta polêmica pode ler trechos do livro nesta página. Ou, melhor ainda, pode ler o guia do começo ao fim.
Serviço
O guia politicamente incorreto da história do Brasil. Texto de Leandro Narloch. Editora Leya. R$ 39,90.