Da coluna Caixa Zero, publicada nesta quarta-feira, na Gazeta do Povo:
Política é um jogo bruto. Mais: todos temos nossas preferências e paixões, o que inclusive é saudável. Se estivéssemos sem a menor disposição de discutir e de tentar achar soluções, seria muito pior. Mas o fato de estarmos no meio do tumulto, às vezes dificulta a compreensão, principalmente quando se passa por um maremoto como o da atual crise política.
Para essas ocasiões, às vezes talvez seja útil recorrer a um expediente de distanciamento. Como, por exemplo, imaginar como é que um (bom) livro de história a ser usado nas escolas daqui a algumas décadas vai informar nossos filhos e netos sobre o que estamos vivendo hoje. Talvez seja impossível ter a clareza para fazer isso hoje, mas vale uma tentativa. Por exemplo:
“Depois da renúncia de Fernando Collor e do curto período de Itamar Franco, dois partidos passaram a se revezar no poder. Durante mais de duas décadas, o PSDB e o PT monopolizaram as eleições presidenciais, reproduzindo no país uma disputa que ocorria em grande parte do mundo ocidental entre projetos mais liberais e a social-democracia, mais à esquerda.
Fernando Henrique Cardoso, ministro da Fazenda de Itamar e visto como principal responsável pelo fim da hiperinflação no país, foi eleito em 1994 e reeleito em 1998 – depois de uma polêmica emenda à Constituição que passou a permitir dois mandatos para cada presidente, aprovada no fim de seu primeiro período. O governo do sociólogo levou o PSDB, nascido como social-democrata, mais para a direita, em função de sua coalizão com liberais dissidentes do antigo regime militar.
Entre os principais fatos do governo estiveram reformas estruturais, principalmente o programa de privatizações do país. Foram vendidas telefônicas, mineradoras e empresas do setor elétrico, o que modernizou a infraestrutura brasileira. No entanto, sem conseguir transformar o capital obtido com a venda em mudanças sociais mais profundas para a população de baixa renda, o PSDB perdeu as eleições de 2002 para o PT.
Impulsionado por um bom momento da economia, o presidente Lula conseguiu índices altíssimos de popularidade. Embora tenha investido pesado em programas de assistência aos mais pobres e tenha conseguido resultados importantes, como a redução do desemprego e a inclusão de milhões à classe média – o governo se viu com problemas sérios na área política. O escândalo do mensalão levou petistas e aliados para a cadeia e só não derrubou o presidente em função do bom momento econômico.
No entanto, após a crise econômica dos Estados Unidos e na Europa, a sucessora petista de Lula, Dilma Rousseff, passou a sentir o custo da ampla coalizão montada pelo partido para conseguir as sucessivas reeleições. Um novo escândalo de corrupção, envolvendo a Petrobras, maior empresa do país, abalou a República em 2015. Milhares de pessoas insatisfeitas com o governo, liderados por eleitores do PSDB e pelas classes médias, foram às ruas clamar pelo impeachment da presidente.”
É só uma tentativa. E provavelmente a maioria dos leitores vai achar que o texto é benéfico demais com o partido que não lhe agrada. É normal que seja assim. Era disso que se tratava lá em cima: no tumulto do momento, estamos sempre preferindo ver o que nos agrada, o que tem a ver “com o nosso lado”. A ideia do distanciamento é tentar ver o quadro maior. Para entender como chegamos aqui, onde estamos e, principalmente, para onde queremos ir.
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