Quando Lula ganhou sua primeira eleição presidencial, em 2002, foi visto comemorando com um vinho Romaneé-Conti. Vinho caro que, na época, levou a ironias e sarcasmos contra o ex-operário. A direita, enfurecida e invejosa com a vitória do PT, dava a entender que Lula desrespeitava suas origens. Ou talvez achasse que simplesmente não fosse merecedor de entrar para o clube dos apreciadores de produtos sofisticados.
Na época, Luis Fernando Verissimo escreveu uma necessária coluna em desagravo a Lula. Um clássico da ironia fina do cronista, o texto mostrava os perigos que a ascensão de Lula representava para o bom-gostismo nacional. Onde já se viu operário bebendo vinho destinado à elite? Onde isso vai parar? É claro que havia muito de preconceito de classe (e há ainda) contra o presidente vindo de baixo. E na época foi necessário desmascarar isso.
No entanto, o fenômeno representava realmente algo grave. Em 2002, Verissimo estava certo. O mais importante era denunciar o preconceito. Mas atitudes como a da ministra Ideli Salvatti, que agora usa helicóptero que deveria estar salvando vidas para fazer deslocamentos pessoais, mostram que o Romaneé-Conti trazia um real risco para o petismo. Era o risco de se acostumar aos prazeres que o poder traz. A suas facilidades. A seus luxos. E passar a considerar natural que certas vantagens lhes sejam devidas.
No caso de Lula, tratava-se de um prazer inocente. Ele tinha direito porque estava pagando, ou havia recebido de presente. Em tese (ou pelo menos era o que se sabia no momento) não havia dinheiro público sendo usado ali. Mas, uma coisa leva à outra, e logo começaram a surgir exemplos variados de que os ex-militantes estavam usando o poder para fins pessoais. O carro da Presidência foi usado para levar a cadela de Lula. Marisa mandou fazer uma estrela do PT com flores no Planalto…
O caso de Ideli mostra a radicalização do luxo petista. Se a ministra quer inaugurar uma obra e fica difícil ir de carro, pegue-se um helicóptero. E daí se ele é da Polícia Rodoviária? E daí se é usado pelo Samu? Ela precisa e tem direito. Ou, como disse a ministra, está tudo normatizado pela PRF. Nada de ilegalidade, então. Mas e a moralidade?
Deixando claro: isso sempre foi feito por todos os governantes. Alckmin, dia desses, mandou o helicóptero pegar a família no aeroporto. Os aviões da FAB há muito viraram táxi aéreo de autoridades. O fenômeno relativamente novo é o PT contrariar todo o seu passado para dizer que não há nada de errado com isso.
No fundo, o Romaneé-Conti queria dizer isso. O petismo havia chegado ao poder com tudo o que isso traz na bagagem. Vinhos caros e, por que não, helicópteros para fins pessoais.
PS: Só mais um detalhe. O vinho de 2002 foi pago por Duda Mendonça. Que três anos depois admitiu ter recebido dinheiro da campanha de Lula em paraíso fiscal, sem nota.
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