Reportagem publicada hoje, na Gazeta do Povo:
Houve um tempo em que os principais candidatos à Presidência da República representavam claramente uma ideologia. Esses tempos se foram. Em 1989, por exemplo, Fernando Collor de Mello acusava seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, de “defender teses estranhas ao nosso meio, teses marxistas”. As acusações foram feitas em debate para a televisão, em rede nacional. E Lula não desmentiu. Claramente, Collor, naquele contexto, representava a direita. Lula era a esquerda. Hoje, não é bem assim.
É claro que os candidatos continuam tendo seu modo de pensar, muitas vezes se alinhando a uma ideologia tradicional. Cientistas políticos afirmam que os três candidatos mais fortes à Presidência deste ano, por exemplo, vêm da esquerda. Isso não significa, porém, que qualquer um deles fosse gostar de ser chamado de marxista diante do eleitorado. Pelo contrário: isso não pegaria bem. Assim como não pegaria bem alguém ficar com o rótulo de candidato “da direita”. Parece que todos querem, um pouco para lá ou para cá, ficar no centro.
A mesma situação se repete nos estados. Todos migram para uma “zona neutra”, o que acaba possibilitando aos políticos fazer coligações que ninguém imaginaria, por um lado. E, por outro lado, dificulta para o eleitor saber exatamente em quem está votando. Em última instância, é uma situação que acaba fazendo duvidar da própria existência de direita e esquerda ou outra ideologia. Mas, afinal de contas, porque os candidatos não querem ser ideológicos?
Eleitor médio
A migração para o centro é velha conhecida dos cientistas políticos. “Esse é um fenômeno antigo, que foi descrito por um norte-americano chamado Anthony Downs”, conta Adriano Codato, professor de Ciência Política da UFPR. “A tese dele é de que existe um eleitor médio, que é uma abstração, claro, e que fica mais ou menos no meio do espectro ideológico. Não é nem de direita, nem de esquerda”, diz.
O ponto, afirma ele, é que a maior parte do eleitorado acaba ficando muito perto desse centro. E acabam sendo raros os que se alinham a uma das extremidades. Como eleição se ganha com o apoio da maioria, ainda mais num processo em dois turnos, os candidatos tendem a ocultar qualquer posição mais radical. “É o que se chama de estratégia catch all (pega todo mundo)”, diz Codato.
Ou seja: a intenção é não assustar ninguém. Assim, se um candidato é a favor, digamos, de pôr limites à propriedade privada, não vai dizer isso com todas as letras. Vai, de preferência, evitar o assunto, e falar apenas dos pontos em que todos concordam. Por outro lado, um político à direita não vai defender o fim de programas de assistência social: no máximo, não vai falar em ampliá-los.
“Os candidatos não querem desagradar aos seus possíveis eleitores. Assim, o elemento ideológico, da maneira como o debate acontece nas campanhas eleitorais brasileiras, é rebaixado ao mínimo”, afirma o filósofo Roberto Romano, professor da Unicamp. E, para evitar qualquer discurso que possa desagradar a alguém, a discussão acaba centrada em propostas vagas e promessas genéricas. Fala-se em melhorar a educação, a saúde, dar mais segurança, garantir empregos. E só.
Carta
Para o cientista político Sérgio Braga,
da UFPR, historicamente o cenário político brasileiro mudou em 2002, quando Lula e o PT divulgaram a Carta ao Povo Brasileiro. O documento, lançado às vésperas da quarta tentativa de Lula de chegar à Presidência, sinalizava que o partido, até então símbolo da esquerda brasileira, poderia fazer concessões, estava se suavizando, e não pretendia tomar nenhuma medida mais radical.
Hoje, os especialistas dizem não ter dúvidas de que os três principais candidatos têm origem na esquerda. Dilma Rousseff é o exemplo mais claro. Para combater a ditadura militar, foi filiada a movimentos radicais, ligados à guerrilha. José Serra disse recentemente “estar à esquerda de Lula” e tem o pensamento ligado à Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe. Marina Silva é ligada à esquerda ambientalista.
No entanto, até mesmo a necessidade de fazer coligações para conseguir mais apoios e tempo de televisão faz com que as candidaturas se pasteurizem. “No caso do Serra, por exemplo, ele é de esquerda. Mas como está ligado ao Democratas, acaba tendo uma candidatura de centro-direita”, diz Leonardo Barreto, professor de Ciência Política na Universidade de Brasília.