Em política, pensa-se demais com o fígado. Começando com a própria reação que muita gente tem à ideia de política: ouve-se a palavra e, de imediato, vem a repulsa – sem parar para pensar por um minuto que, sem política, só nos restam o tacape e o caos. Muita gente pensa que a política é um desastre. Quando, na verdade, é a política ou o desastre.
Claro, a maior parte das pessoas pode preferir não pensar no rame-rame do Congresso. Mas, para que haja democracia, é preciso que de vez em quando todo mundo esteja atento. Exemplo: quando se fala em impeachment. O que se discute no caso atual do Brasil é se a presidente deve ou não ser declarada impedida de governar. E a discussão é política. São deputados e senadores (eleitos por nós) decidindo se o governo (eleito por nós) tem ou não legitimidade política para continuar exercendo o mandato que lhe foi dado.
Por isso, é preciso que algumas coisas fiquem claras.
1.Você não vai com a cara da presidente? Primeira coisa a esclarecer: isso não é motivo para trocar de governo. Você não gosta do petismo? Idem. A regra do jogo foi cumprida e a presidente teve votos suficientes para se eleger. Por definição, em uma democracia do tamanho do Brasil sempre haverá milhões de pessoas insatisfeitas com o resultado das eleições. Fazer o quê?
2.Mudar o governo porque você não concorda com alguma política que está sendo adotada? Lamento, não vale. Trata-se de uma decorrência do que se disse antes. Por definição, um governo erra – alguns mais, é verdade. Além disso, muita gente já não concorda por princípio com o que o governo fará. Mas numa democracia é absolutamente necessário respeitar o resultado das urnas, ou entramos no caos. A cada governo, haverá milhões pondo seus nomes em abaixo-assinados. Não funciona.
3.A lei brasileira só prevê o impedimento da presidente em alguns poucos casos. Verdade: há juristas que dizem que o caso de Dilma se encaixa neles. Outros, igualmente respeitáveis, dizem que não. O Congresso tem o direito de decidir. Mas devemos cobrar que decida de maneira responsável e não apenas por interesses políticos de facilitar a chegada de alguém ao poder, por exemplo. E esse é um risco real.
4.O impeachment, mesmo se houver consenso de que houve erros graves da presidente, não é imediato, nem obrigatório. E há consequências. Uma delas: Dilma não é Collor. O PT não é o PRN. E a presidente “não está só”, para usar a malfadada frase do ex-presidente. Ninguém se engane quanto a um possível pós-impeachment: serão meses tensos. Serão anos de rancores. Haverá disputas muito mais acirradas do que as de hoje. Haverá acusações de golpismo contra quem quer que chegue à Presidência. Haverá discussões sobre a legitimidade de qualquer governo que se instale – e, quase por consequência, da própria democracia.
5.Não se está dizendo que o impeachment é impossível numa democracia. Mas sim que às vezes parece que, na agitação do momento, muita gente defende coisas graves como se fossem um passeio até a padaria. Os riscos envolvidos não são desprezíveis, como pode querer fazer parecer certa oposição. E os interesses não desapareceram de cena em nome de um belo sonho apartidário que busca simplesmente um país melhor. Ou pensamos sobre tudo isso ou corremos o risco de nos precipitarmos sabe-se lá em que buraco nos próximos meses.
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